O Transtorno do Espectro Autista - TEA é uma condição neurobiológica que afeta a maneira como uma pessoa percebe e interage com o mundo ao seu redor. É chamado de “espectro” porque varia muito de pessoa para pessoa, tanto em termos de gravidade dos sintomas quanto nas áreas afetadas.
Algumas características comuns do TEA incluem dificuldades na comunicação social e na interação, interesses restritos e comportamentos repetitivos. No entanto, é importante notar que cada indivíduo com TEA é único, com diferentes habilidades, desafios e características.
O diagnóstico do TEA geralmente é feito por profissionais de saúde especializados, como psiquiatras, psicólogos ou neuropediatras, e envolve uma avaliação detalhada do desenvolvimento da criança ou do adulto. O tratamento pode incluir terapias comportamentais, educacionais e medicamentos, dependendo das necessidades individuais de cada um. Para tanto, é fundamental promover a conscientização e a compreensão do TEA na sociedade para garantir que as pessoas com essa condição tenham acesso a oportunidades justas e apoio adequado para alcançarem seu pleno potencial.
De acordo com a OMS - Organização Mundial da Saúde, a prevalência do autismo no Brasil é estimada em cerca de 1 em 160 nascidos vivos. O diagnóstico de autismo no País pode ser desafiador devido a várias razões, incluindo falta de especialistas treinados, acesso limitado a serviços de saúde mental e estigma associado a condições neuropsiquiátricas. Isso pode levar a subnotificação e ao subdiagnóstico.
Nos últimos anos, tem havido um aumento na conscientização sobre o autismo em território nacional, com mais esforços sendo feitos para educar o público e reduzir a desinformação em torno da condição. No entanto, ainda há muito a ser feito para garantir a inclusão e os direitos das pessoas autistas em todos os aspectos da sociedade.
E como o segmento hoteleiro está se preparando para receber bem os hóspedes com TEA – Transtorno do Espectro Autista? Uma pesquisa do IBCCES, sigla em inglês para Conselho Internacional de Padrões de Credenciamento e Educação Continuada, aponta que 87% dos pais de crianças com TEA disseram que viajariam mais se houvessem estabelecimentos capacitados para receber seus filhos. O mesmo levantamento aponta que 97% das famílias não estão satisfeitas com as opções de estabelecimentos e profissionais que os atendem.
A seguir, analisamos, juntamente com profissionais da hotelaria e especialistas na área, quais os treinamentos necessários para os funcionários lidarem melhor com esse público e quais ações eles desenvolvem a respeito do tema.
Empresa Amiga do Autista
“Empresa Amiga do Autista” é um selo ou certificação atribuída a empresas que adotam práticas inclusivas e políticas de contratação voltadas para pessoas com Transtorno do Espectro Autista. Essas empresas geralmente demonstram compromisso com a diversidade e a inclusão, proporcionando um ambiente de trabalho acolhedor e adaptado às necessidades específicas dos colaboradores autistas.
O selo pode ser concedido por organizações especializadas em autismo ou por entidades governamentais que promovem a inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho. Ter o selo “Empresa Amiga do Autista” pode ajudar as empresas a atrair talentos diversos e a demonstrar seu compromisso com a responsabilidade social corporativa. Como é o caso do Hot Beach Olímpia, localizado no interior do Estado de São Paulo, que recebeu o selo no final de 2022 e que, desde então, vem melhorando sua estrutura e atendimento para o respectivo público. “Implementamos diversas ações e intervenções para melhorar o atendimento ao nosso cliente autista desde que recebemos o selo “Empresa Amiga do Autista”, no final de 2022. Todas as ações visam tornar o parque aquático ainda mais inclusivo, acessível e acolhedor para pessoas com Transtorno do Espectro Autista e suas famílias”, nos conta Brunno Teodoro, Gerente geral do empreendimento.
Dentre as principais ações, houve treinamento e capacitação de mais de 85% do quadro de colaboradores, onde a equipe do parque, desde a recepção até os guarda-vidas e monitores receberam treinamento específico sobre autismo, incluindo como identificar e atender às necessidades de pessoas com TEA. Eles também criaram um Guia sensorial do parque, que está disponível no site e impresso na recepção, com informações sobre as atrações, sons, luzes e texturas que podem ser encontradas em cada área. “Colocamos uma pulseira que os identifica como autistas e facilita o atendimento por parte da equipe do parque. Estabelecemos um espaço calmo e silencioso para que pessoas com TEA possam descansar e evitar estímulos sensoriais, além de termos um atendimento prioritário para eles e seus acompanhantes nas filas das atrações e serviços do Hot Beach Olímpia”, afirma Teodoro.
Outro grupo que ganhou o selo “Empresa Amiga do Autista” engloba os Hotéis & Resorts Mabu e o parque aquático Blue Park. O CEO Luciano Motta, nos diz que a questão do treinamento foi fundamental para que eles obtivessem essa marca, juntamente com outros aspectos prioritários. “O mais importante para garantir esse selo foram os treinamentos, um ciclo de palestra - sendo a primeira etapa voltada ao atendimento, a seguinte para a adaptação dos processos de contratação de pessoas autistas - e o último visando a permanência do indivíduo no emprego, propiciando adequações estruturais, atitudinais e orientação aos colegas de trabalho para otimização do ambiente. Esse processo busca também capacitar nossos colaboradores na hora de atender os hóspedes e clientes”, ele revela. Hoje, 90% do quadro de funcionários do Grupo Mabu está treinado para receber os hóspedes com TEA, são aproximadamente 200 pessoas treinadas e capacitadas. “Trabalhar as diferenças e promover a inclusão é um dos objetivos do Mabu, ser referência de coisas boas e positivas que fazemos é o que nos move. Entendendo os desafios que o Transtorno do Espectro Autista pode trazer, oferecemos benefícios como um vale-alimentação especial e descontos significativos na coparticipação do plano de saúde, onde 70% dos custos são cobertos pelo Mabu e 30% pelo colaborador”, diz Motta.
No Marambaia Hotel, em Balneário Camboriú (SC), a maior mudança não foi estrutural, e sim o conhecimento da equipe sobre o tema. Hoje o empreendimento tem capacitação de mais de 95% dos funcionários. “Desde 2021, dividimos as equipes e treinamos todos os cargos do hotel, porque o conhecimento precisa ser para todos, assim falamos a mesma linguagem”, salienta Sheila Petri, Gerente geral do Marambaia. “Acredito que o nosso grande diferencial é o conhecimento sobre o Autismo e a vivência que temos com adultos e crianças com TEA. As famílias que nos procuram, por termos o selo “Empresa Amiga do Autista”, sabem que nos preocupamos e queremos que elas tenham a melhor experiência possível no nosso hotel e também na cidade. Entendemos as suas necessidades e perguntamos o que podemos fazer, para ajudar a ter a melhor hospedagem possível, mesmo com a mudança de rotina, viagem e alterações no dia a dia. Não podemos pensar em somente atendimento prioritário no check-in, é um conjunto de atitudes que irão colaborar para que tudo dê certo”, ela completa.
O Cana Brava Resort, em Ilhéus (BA), foi agraciado pela segunda vez com o selo “Empresa Amiga do Autista”. A empresa precisou capacitar no mínimo 70% de sua equipe de colaboradores para receber hóspedes com Transtorno do Espectro Autista - TEA. Além de proporcionarem um acolhimento humanizado, eles disponibilizaram cordões de identificação e abafadores que facilitam o atendimento dedicado a esses hóspedes. Todos os restaurantes do resort oferecem pratos kids, muitas vezes preferidos por esse público. Fora isso, o Cana Brava garante gratuidade para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (independente do grau), síndrome de Down e outras deficiências intelectuais – basta, na hora da reserva, incluir o laudo médico comprovando. “É com muito orgulho que nós conquistamos mais esse selo, que reforça nosso compromisso em receber cada vez melhor os hóspedes de todo o mundo. Sabemos da importância em acolher e respeitar todas as pessoas e, por isso, investimos pesado em capacitação das equipes. Queremos que todos os que passarem por aqui possam colecionar apenas boas lembranças e isso só é possível com um atendimento que se preocupa com o cliente”, afirma Rafael Espírito Santo, Diretor Comercial do Cana Brava Resort.
O Cyan Resort by Atlantica, em Itupeva (SP), também receberá o selo. Todos os colaboradores de todas as áreas passaram por um treinamento com a empresa Incluir Treinamentos, que é especializada na capacitação profissional voltado ao atendimento de pessoas com TEA, com foco na acessibilidade e inclusão de pessoas com deficiência. O resort também passou por algumas adequações para atender a este público, e através da capacitação de seus colaboradores é possível saber lidar, atender, brincar e incluir as pessoas com TEA. Os colaboradores passaram por todos os tipos de treinamento, que inclui desde pontos básicos como a interpretação da carteira de identificação do autista até a percepção do comportamento do cliente, se ele precisa de algum atendimento preferencial, se está prestes a se desregular ou se precisa de algum outro tipo de assistência, como protetores auriculares.
A Blue Tree Hotels também conseguiu obter o selo. Os hotéis Blue Tree Thermas de Lins, Blue Tree Towers Anália Franco, Blue Tree Towers Bauru, Blue Tree Garden Bauru, Blue Tree Millenium Porto Alegre e Blue Tree Premium Londrina concluíram a “capacitação básica em autismo para hotelaria e profissionais do turismo”.
Até o momento, mais de 300 colaboradores já possuem a certificação. Os treinamentos começaram em agosto de 2023 e continuarão durante todo o ano de 2024. Nessa jornada de aprendizado em cinco horas de capacitação, as equipes adquiriram conhecimentos profundos em temas pertinentes à inclusão social dentro da hotelaria como, por exemplo, a excelência no atendimento especial, introdução ao Transtorno do Espectro Autista e prevenção de comportamentos inadequados.
Chieko Aoki, Presidente da Blue Tree Hotels, expressou a sua satisfação com essa iniciativa. “Não se trata de ter as mesmas opções para todos, mas de proporcionar a alternativa ideal para cada necessidade. A inclusão é de extrema importância na sociedade. E estamos comprometidos em oferecer uma experiência acolhedora e inclusiva para os hóspedes. Queremos que os clientes se sintam bem-vindos e respeitados em nosso espaço. O selo é um marco importante nessa jornada contínua de aprendizado e aprimoramento”, destaca.
Inspirado nos princípios básicos da rede hoteleira em bem-receber, bem-servir e bem-cuidar, os hotéis também oferecem cordões de girassol em suas recepções, que podem ser solicitados por pessoas que possuem deficiências ocultas. Com esse gesto, demonstram a responsabilidade de inclusão e equidade.
O Jequitimar Guarujá Resort & Spa by Accor tem um atendimento personalizado em todas as áreas (recepção, restaurantes e atividades de lazer) identificando que cada pessoa tem diferentes necessidades. O hotel obteve o selo “Empresa Amiga do Autista”, pela Incluir Treinamentos, destacando o comprometimento com um ambiente inclusivo e acolhedor. “Os colaboradores que realizaram o treinamento Profissional Amigo do Autista receberam um botton para sua identificação. Criamos o Espaço do Silêncio para hóspedes com TEA, sendo um interno e dois em área externa. Os espaços estão em diferentes alas do hotel, já que estamos divididos em três prédios, e dois deles promovem o contato com a natureza: coqueiral e canto do restaurante Mar Casado, onde temos uma grande árvore. Realizamos o atendimento prioritário sinalizado, conforme lei, na recepção e em nossos restaurantes”, informa Marcia Miranda, Hotel Manager do Jequitimar Guarujá Resort & Spa by Accor.
Para Joselia Gärtner, Diretora Comercial à frente da agência de turismo curitibana DKlassen, em primeiro lugar, os hotéis, resorts, parques aquáticos e pousadas precisam considerar algumas adaptações em sua estrutura para receber bem os viajantes com TEA. Assim como rampas são importantes para deficientes físicos, quartos com isolamento acústico e redução de ruídos são essenciais para o conforto dos autistas. “Além disso, disponibilizar recursos visuais nos espaços, como símbolos e imagens, pode facilitar a comunicação e a compreensão. Oferecer opções de refeições adaptadas a diferentes necessidades alimentares também é importante”, diz.
No caso das companhias aéreas e de viagens, é essencial garantir assistência especial desde o momento do check-in até o desembarque. “Isso inclui prioridade no embarque e desembarque, disponibilização de cadeiras de rodas e outros equipamentos de acessibilidade, além de treinamento específico para a equipe lidar com as necessidades dos passageiros com TEA. Oferecer opções de entretenimento a bordo que sejam adequadas e tranquilas, como filmes com baixo volume de som, também pode contribuir para uma experiência mais confortável durante o voo”, completa Joselia.
Incluir Treinamentos
A Incluir Treinamentos é uma empresa que capacita profissionais para inclusão de pessoas com deficiência e autistas na sociedade. Ela nasceu após Amanda Ribeiro, mãe do Arthur, de oito anos, autista, passar por discriminação em um hotel, porque a recreadora disse que ele não poderia brincar, porque era autista e eles não sabiam como lidar. “A partir deste dia, percebi que os estabelecimentos não estavam preparados para acolher as pessoas com deficiência e começamos a capacitar parques, hotéis, atrações turísticas, profissionais de turismo, receptivos, destinos turísticos e outras empresas para inclusão”, conta Ribeiro, Diretora-executiva e fundadora. A Incluir Treinamentos criou os selos de “Empresa Amiga do Autista”, “Empresa Amiga da Pessoa com Deficiência” e “Empresa Amiga da Diversidade”, juntamente com um programa de educação continuada, para levar capacitação e qualificação.
Hoje, a empresa conta com uma equipe diversa de 15 profissionais, em sua maioria pessoas com deficiência e especialistas em inclusão, acessibilidade e diversidade. Também apresenta um programa de educação continuada com capacitações para atendimento e inclusão no atendimento e na convivência. Já são mais de 16.000 alunos capacitados, mais de 80 parques, atrações turísticas e hotéis em mais de 17 estados. “Os programas de educação continuada são customizáveis para cada tipo de negócio, por exemplo, temos a Capacitação em Autismo para hospitais, escola, hotéis, cabeleireiros, profissionais do turismo, atendentes de restaurantes, lojas, guia de turismo. Cada tipo de profissional precisa de informações específicas para o melhor atendimento à pessoa autista e sua família”, revela Amanda.
A Incluir Treinamentos foi a responsável por conceder o selo “Empresa Amiga do Autista” para o Hot Beach Olímpia, Rede Blue Tree Hotels e Cana Brava Resort. “A Incluir Treinamentos desempenhou um papel fundamental na conscientização e implantação das medidas de acessibilidade para pessoas com Transtorno do Espectro Autista no Hot Beach Olímpia. A empresa ofereceu treinamentos e certificação para 85% do nosso quadro total de colaboradores do parque. O treinamento abordou temas como características do TEA e como oferecer apoio e suporte para que possam aproveitar ao máximo sua experiência no parque, e participou de toda a criação e elaboração de materiais informativos sobre o autismo, como nosso Guia sensorial, adaptação dos ambientes e na sensibilização do público sobre o tema”, revela Bruno Teodoro.
O Hot Beach foi o primeiro parque aquático do Brasil a receber o selo. E para isso, foi preciso realizar algumas adaptações como inclusão de placas de atendimento prioritário, pulseira de identificação e fones abafadores para empréstimo. “Além destas adequações, o Hot Beach também possui uma área de baixo estímulo reservada para pessoas com o Transtorno do Espectro Autista e suas famílias, um Guia sensorial que mostra quanto de estímulo tem em cada atração, que ajuda muito na previsibilidade. A Capacitação Básica em autismo para atendentes possibilita às empresas e seus colaboradores, capacitação para o atendimento de pessoas com TEA, explicando sobre as principais características, suas necessidades e sensibilidades, ampliando a inclusão social de pessoas com autismo e principalmente capacitando para o acolhimento”, diz Amanda Ribeiro.
A Diretora-executiva da Incluir Treinamentos ainda afirma que, atualmente, há mais de 50 parques e atrações turísticas no Brasil capacitadas para receber hóspedes com TEA. “Os parques têm recebido cada vez mais pessoas autistas e estão olhando mais para a inclusão desse público. Já os hotéis e resorts, muitos ainda não estão preparados para receber. Se perguntarmos quantos hotéis no Brasil são Pet Friendly? Temos mais de 10.000. Porém, temos cerca de 30 hotéis no Brasil hoje que estão efetivamente capacitados em autismo, ainda falta muito”, ela enfatiza.
Experiência positiva
No atual mercado hoteleiro nacional existe uma frase bem conhecida, quase um “mantra” e que deve ser prioridade na cartilha de qualquer empreendimento: receber bem o hóspede. Sabemos que os hotéis, pousadas e resorts precisam estar preparados para tratar todos da melhor maneira possível, sejam eles adultos, crianças, idosos, pets e pessoas com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista - TEA. E o que fazer para que a experiência de lazer seja positiva para o público autista? “Quando a gente fala sobre turismo inclusivo, eu sempre digo que é importantíssimo cultivar a empatia, não apenas entre os profissionais do setor, mas também entre os demais turistas e a sociedade em geral. Se por um lado eu defendo que todos os profissionais da área precisam de treinamento para compreender e antecipar as necessidades dos autistas, por outro os viajantes também precisam aprender a respeitar as diferenças e necessidades dos outros. É importante reconhecer que os autistas enfrentam desafios específicos, como dificuldade em enfrentar filas e sensibilidade a ambientes barulhentos. Por exemplo, por que não ceder seu lugar na fila ao ver alguém com o cordão que simboliza o autismo? Nesse sentido, pequenos gestos de gentileza e compreensão podem fazer toda a diferença para que essa família tenha uma experiência positiva ao viajar”, enfatiza Joselia Gärtner, Diretora Comercial da DKlassen.
Brunno Teodoro afirma que a inclusão é um dos grandes diferenciais do Hot Beach Olímpia, tornando-o um parque aquático referência em acessibilidade e acolhimento para todos os públicos. “A equipe está sempre se capacitando para melhorar a experiência de pessoas com TEA no parque”. Ele ainda nos informa que o parque oferece alguns benefícios e programas para funcionários que possuem filhos com Transtorno do Espectro Autista, que são: Licença-maternidade/paternidade estendida além do período legal; auxílio-creche para todos os funcionários, inclusive para aqueles que possuem filhos com TEA; o plano de saúde oferecido pelo parque cobre diversos tratamentos relacionados ao TEA, como terapia ocupacional, fisioterapia e fonoaudiologia; e o Hot Beach Olímpia promove palestras e workshops sobre autismo para seus funcionários.
Luciano Motta nos diz que, anualmente, o Blue Park desenvolve uma ação conjunta com o Sistema Integrado de Parques e Atrações Turísticas (Sindepat), que é o Dia Nacional da Pessoa com Deficiência em Parques e Atrações Turísticas (DNPD). Nesse dia, o parque é aberto especialmente para pessoas com alguma deficiência, seja ela visível ou não. As atividades da equipe de recreação ficam voltadas para atender especialmente esse público. Além disso, no dia a dia todas as pessoas que possuem TEA não pagam entrada e o acompanhante paga 50% do valor. “Para a hotelaria, há dois anos que nosso Réveillon não tem os tradicionais fogos de artifícios, pensando justamente no público que possui alguma sensibilidade auditiva ou visual, optamos por soltar balões biodegradáveis com sementes de árvores nativas da região, contribuindo não só com o conforto das pessoas que possuem essa sensibilidade, como também com o meio ambiente, promovendo um reflorestamento ambiental”, ele diz.
No ano passado, o Blue Park recebeu mais de 500 visitantes com a condição do Transtorno do Espectro Autista e seus acompanhantes. Já na hospedagem, a quantidade foi de 60% no ano de 2023.
Transtorno do Espectro Autista
Entrando no contexto mais clínico, duas perguntas muito frequentes, e que geram dúvidas em toda a população, são: Como é possível detectar o Transtorno do Espectro Autista? Há uma idade especifica? Quem nos responde é a Fisioterapeuta e fundadora do Tehabilitar, Cibele Calza. “O diagnóstico é feito na infância ou na vida adulta, não há idade limite. O ideal, pensando em neurodesenvolvimento e fase neuroplástica, é tê-lo precoce para iniciar o quanto antes possível as intervenções e reduzir os atrasos de desenvolvimento que possa haver. Quem realiza o diagnóstico é o médico que segue os critérios do DSM (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders) e analisa as avaliações com outros profissionais para fechar se há critérios ou não para o F84 CID - que indica o autismo infantil”, ela diz.
O trabalho da Tehabilitar consiste em muitas frentes, sejam elas diretamente com a pessoa dentro do espectro ou com profissionais da área, pois, eles realizam supervisões para equipes e profissionais e também os atendimentos presenciais. Hoje eles têm uma equipe interdisciplinar que realiza trocas, discussão de casos, promovem cursos e treinamentos tanto para a equipe própria como para a comunidade.
Inserir as pessoas com TEA no mercado de trabalho é o desafio maior para todas as áreas e segmentos, mas que deve ser enfrentando com organização, estrutura e especialistas no assunto. “Essa é uma questão difícil, pois requer individualidade e também nível de suporte. O ideal seria introduzir os indivíduos no mercado de trabalho associando as potencialidades que eles apresentam e o prazer em realizá-las. Muitas vezes serão necessários treinamentos mais intensos e também conscientização da equipe sobre o TEA, facilitando assim relacionamento e engajamento do time com a inclusão”, ressalta Cibele. “Em relação ao segmento hoteleiro, o primeiro passo deve ser um treinamento com a equipe do hotel ou parque aquático. Esse treinamento deve acontecer para que todos conheçam o TEA. Nesse treinamento, deve haver tudo que envolva esse tema, desde o que significa até os desafios que podemos encontrar ao receber um indivíduo com TEA, assim entenderiam que desde o ruido até a espera poderá ser um problema para o hóspede”, completa.
E quais seriam as estratégias para ajudar a ter a melhor experiência possível, para toda a família, que está com um indivíduo TEA?
- Compreender antes da chegada quem é aquela pessoa, o que a auxilia e o que desregula.
- Em seguida, indicar assim a melhor forma de aproveitar os espaços, por exemplo, se a pessoa evita barulho qual o melhor horário para fazer uma refeição, qual horário a piscina está mais vazia, se tem alguma seletividade alimentar como deve proceder, como programar a comida para evitar uma espera longa, qual a agenda de passeios do dia para que a pessoa já tenha previsibilidade;
- Check-in 100% online e fácil, com todas as instruções;
- Facilitar acesso a todas as áreas como prioridade e sem espera;
- Lembrar que nem todos dentro do espectro são verbais, então ter disponível comunicação alternativa, seja por meios de alta ou baixa tecnologia, por exemplo cardápios visuais para a pessoa escolher, ilhas de comunicação nos espaços para facilitar a interação sempre que necessário;
- Ter uma equipe treinada a acolher e receber também é importante, um colaborador que saiba usar o comunicador com a pessoa dentro do espectro;
- Ter espaços de regulação sensorial;
Poder público
O poder público tem e precisa desenvolver ainda mais um papel fundamental na questão da acessibilidade e do conforto dos turistas com Transtorno do Espectro Autista. Na opinião de Brunno Teodoro, o Estado tem a responsabilidade de garantir o direito à acessibilidade e à igualdade de oportunidades para todos os cidadãos, incluindo aqueles com TEA. “O poder público deve promover políticas públicas que garantam a inclusão das pessoas com TEA em todos os âmbitos da sociedade, incluindo o turismo, e o investimento em acessibilidade pode atrair mais turistas com TEA e suas famílias, gerando benefícios para a economia local”, pondera. Para Joselia Gärtner, nesse aspecto é importante entender que não é o autista que precisa se adequar aos espaços, e sim os espaços que precisam se adequar aos autistas. Um exemplo é o projeto de adaptação que está sendo feito na Ilha do Mel, no Paraná. “Esse projeto, que conta com a ajuda do Governo Estadual, está adaptando vários locais turísticos na Ilha para receber autistas e treinando os proprietários e funcionários desses estabelecimentos para receber esse público da melhor maneira possível. Então, com esse exemplo a gente vê que o poder público tem um papel fundamental para promover o turismo inclusivo, seja na adaptação dos espaços públicos e pontos turísticos, seja na fiscalização e na criação de leis que asseguram direitos para esse público”, ela diz. Outra ação interessante é oferecer incentivos fiscais para empresas que adotem práticas inclusivas. “Isso tudo aumenta a demanda turística e promove uma maior inclusão social, o que é essencial para construir uma sociedade mais igualitária e acolhedora para todos”, conclui. O Hotel Jequitimar Guarujá Resort & Spa by Accor firmou uma parceria com o programa Meu Emprego Inclusivo. “Eles possuem um polo na Baixada Santista chamado Its Brasil, que nos apoiam com divulgação e encaminhamento de candidatos com deficiência”, diz Marcia Miranda.
População local
Outro aspecto importante a se ressaltar quando o assunto é autismo, fica por conta de sabermos se os empreendimentos hoteleiros fazem alguma ação ou programa com as populações locais, o que certamente tornaria o turismo mais inclusivo para as cidades onde esses lugares estão sediados. “O Marambaia sempre está à disposição da sociedade, apoiamos projetos que buscam melhorar a vida de todas as pessoas, ONGs de proteção animal e, principalmente, melhorar a condição de vida de quem tem necessidades diferentes. Um exemplo, é que há pouco tempo cedemos espaço para a realização de um bingo para ajudar a manter a escola que treina cães-guia para serem acompanhantes de pessoas com deficiência”, revela Sheila Petri, Gerente geral do hotel catarinense. “Nós trabalhamos a inclusão de uma forma geral, recebemos hóspedes, contratamos funcionários e estagiários com TEA. A maioria das empresas ainda tem receios a essas contratações e acabam não dando a oportunidade. Para nós, a verdadeira inclusão está em todos os aspectos do negócio, temos alguns colaboradores com filhos no espectro autista e diagnosticados com TDAH, o hotel traz esperança para eles. Porque as crianças irão crescer e o maior sonho de todos os pais é que os filhos sejam vistos como indivíduos, como pessoas que irão servir a sociedade sendo produtivos e independentes conforme a sua realidade”, completa Sheila.
De acordo com Brunno Tedoro, Gerente geral do Hot Beach Olímpia, o parque participa de eventos de conscientização sobre o autismo, como o Dia Mundial de Conscientização do Autismo, em 2 de abril; mantém parcerias com entidades que trabalham com autismo na região, como a AMA (Associação de Pais e Amigos dos Autistas de Olímpia) e a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais).
O Hotel Jequitimar promove ações sociais nas instituições da cidade do Guarujá com apoio de alimentos, roupas e produtos de higiene. “Apoiamos, no final do ano de 2023, a instituição Feliz Cidade, que atende crianças autistas para reforço escolar e atividade física. Na Páscoa deste ano ajudamos a instituição Transformando Vidas, onde eles também atendem crianças autistas com aulas de jiu-jitsu. Anualmente, apoiamos o Torneio de Golf pelo Autismo junto ao Guarujá Golf Clube”, diz Marcia Miranda.
Conscientização no Brasil
Apesar do tema autismo não ser mais um tabu na sociedade brasileira, ainda temos muito o que percorrer para que as condições de vida das pessoas com TEA sejam as mais próximas do ideal. “Acredito que as redes sociais deram voz para que as famílias com pessoas com TEA pudessem compartilhar suas dificuldades e anseios do dia a dia, mostrando a falta de acolhimento para com essas pessoas, seja em atividades cotidianas ou durante viagens. Desta forma, órgãos públicos e privados se mobilizaram para oferecer mais conforto a este público, trazendo soluções para as demandas expostas e proporcionando um ambiente um pouco mais acolhedor para quem tem TEA. Ainda há muito para ser feito, mas acredito que já houve uma evolução nestes últimos anos”, confirma Joselia Gärtner. “Como hoteleira sinto que ainda falta vontade política, apoio governamental, e capacitação eficiente. Não podemos esperar que tudo esteja 100% para começar a incluir as pessoas com deficiência. Precisamos começar. Pela nossa experiência posso dizer: Todos precisam dar o primeiro passo”, enfatiza Sheila Petri. “O autismo entrou na vida do Marambaia após todos os funcionários acompanharem o diagnóstico do meu filho. A partir daí, descobrimos outras crianças, as dores de alguns, e isso obteve o conhecimento e respeito de outros. E todos abraçamos essa causa, ser amigo do autista não é somente ter empatia, é saber que todos temos direitos, e lugar de autista é onde ele quiser estar”, ela completa.
Teodoro também concorda que o Brasil evoluiu na questão do autismo nos últimos anos, mas aborda o fato de que ainda há muito trabalho a ser feito. “Atualmente o autismo é mais conhecido e discutido na sociedade brasileira e a legislação garante direitos às pessoas com TEA e há mais opções de tratamento disponíveis em território nacional. Mas, ainda temos muitos desafios com a carência de profissionais especializados em autismo e as políticas públicas para o tema ainda são subfinanciadas”, ele afirma. “Acreditamos que o trabalho desenvolvido pelo Mabu e Blue Park com os turistas autistas são atitudes que servem como exemplo para que outras companhias façam o mesmo, e com isso todos ganham, porque essa comunidade, além de ser uma parcela volumosa da nossa sociedade, que se bem tratada e fidelizada pode trazer maiores lucros e prestígio aos estabelecimentos, temos também a convicção de que uma sociedade mais inclusiva é um ganho para todos, pois a diversidade está em todo lugar e ela justamente nos faz crescer”, conclui Luciano Motta.
Na opinião de Amanda Ribeiro, da Incluir Treinamentos, a busca por informação no Brasil tem crescido, pois hoje já temos leis de proteção aos direitos dos autistas e também pelo aumento de diagnóstico. “Hoje, se você não tem na família, provavelmente você conhece alguém, mas ainda assim muitas pessoas não tem informação, precisamos muito de conscientização sobre o tema. Apesar de numerosos, os milhões de brasileiros com autismo ainda sofrem para encontrar tratamento adequado e, sobretudo, fazer valer os seus direitos. Todas estas pessoas autistas e famílias também gostariam de poder passear, viajar. O lazer é muito importante para a saúde mental de todos, as famílias de pessoas com deficiência também precisam ter acesso ao lazer. Nossa missão é que juntos vamos conscientizar o Brasil, para que a inclusão vire rotina, porque não existe inclusão sem capacitação”, finaliza.