Paulo Mancio dedicou 20 anos de trabalho a Accor e teve papel importante no crescimento e consolidação da rede hoteleira francesa dirigindo projetos de implantação de diversos hotéis nas Américas. Atingiu o cargo máximo que um executivo almeja em sua área de atuação, mas buscando continuidade internacional a sua carreira, aceitou no ano passado o convite para ser Vice-presidente global de desenvolvimento hoteleiro do Damac. Com sede em Dubai, esse é um dos maiores grupos de real estate da região dos Emirados Árabes com presença em mais de 15 países e mais de 40 projetos internacionais de grande amplitude.
O agora expatriado Paulo Mancio tem grandes desafios pela frente, a começar pelas tradições e cultura local, mas é enfático em afirmar: Quem deseja crescer na área de hospitalidade, tem quase obrigação de conhecer os Emirados Árabes, pois são as maiores concentrações de investimentos em real estate nos mercados de luxo e ultra-luxo. Um dos segredos de negociar com árabes, ele revela, é que as regras são muito claras e bem estabelecidas e todos são pautados pelas mesmas regras. Confira nessa entrevista exclusiva do permanente aluno, Paulo Mancio.
Revista Hotéis — Você teve mais de 20 anos de trabalho dedicados a Accor com uma carreira bem consolidada. Que lições e ensinamentos você tirou dessa sua experiência profissional?
Paulo Mancio — Iniciei minha carreira na Accor como Project Manager, ou Gerente de Projetos e foram mais de 20 anos trabalhando no mercado sul-americano, latino-americano e Américas. No momento que eu resolvi sair da Accor para aceitar essa proposta e vir para os Emirados Árabes, eu já estava como Chief D&TS Officer America, ou seja a posição máxima na minha área, uma das maiores posições no mundo. Os ensinamentos foram enormes porque a Accor é uma grande universidade, uma grande escola, é uma empresa ímpar, de valores, que tem uma estrutura fantástica. Só tenho a agradecer a tudo que aprendi. Desde o princípio eu imaginava que eu gostaria de ter duas ou três pilares importantes para ter uma carreira longa na empresa.
R.H — Em relação ao aprendizado técnico, qual foi o legado na Accor?
P.M — Temos que dividir em três pilares. O primeiro pilar é a possibilidade de aprender. Sou um permanente aluno e isso foi fantástico dentro da Accor. Não aprendi apenas o aspecto técnico da hotelaria e sim como executivo, como ser humano e isso foi fantástico. O segundo foi a possibilidade de crescer. Qualquer executivo consciente de sua qualidade e de seus valores quer o reconhecimento e de certa forma, crescer dentro de sua carreira. E foi isso que encontrei, galgando todas as posições até chegar à posição máxima na minha área. O terceiro foi me relacionar com as pessoas, conhecer pessoas muito interessantes em todo o continente. Isso foi muito forte por todo o meu tempo trabalhando com hospitalidade na América Latina e Américas.
R.H — O que o levou a aceitar o desafio de ser Vice-presidente Global de Desenvolvimento em Hotelaria da Damac Properties? Quais são seus planos e o que espera alcançar?
P.M — Eu já tinha alcançado a posição máxima dentro da minha área na Accor e eu buscava uma continuidade internacional da minha carreira, a princípio dentro da Accor. Eu já vinha recebendo propostas e convites, muito interessantes, para uma carreira internacional, não apenas para ficar no Brasil em outras empresas, mas para outras posições nas Américas. Acabei aceitando essa posição internacional nos Emirados Árabes, que é hoje a região com mais desenvolvimento em várias indústrias dentre as quais a de hospitalidade.
R.H — Como o Grupo Damac está posicionado no mercado? Em que setores atua e como pretende com seu conhecimento desenvolver novos hotéis?
P.M — A Damac é a maior empresa de real estate da região com presença em mais de 15 países e mais de 40 projetos internacionais de grande amplitude. Se destaca também por ser um dos maiores grupos de desenvolvimento imobiliário do mundo, e uma das verticais dela, além da vertical de projetos residenciais e comerciais, ela tem uma participação muito forte no hospitality, que são os projetos que lidero na Damac. Ela vem se posicionando com destaque crescente nos mercados de luxo e ultra-luxo, seja nos Emirados Árabes ou internacionalmente. Então, trata-se de uma oportunidade enorme de crescimento, tanto para a empresa quanto para mim como executivo.
R.H — Como está sendo a adaptação a cultura e tradições nesse país árabe? O que está sendo mais difícil para se adaptar?
P.M — A adaptação a ser expatriado é sempre muito interessante e muito rica. Mas também tem seus pontos delicados porque é uma nova cultura. Uma das verticais mais importantes para os grandes líderes é a sua adaptabilidade a novos cenários e ambientes. Isso é muito interessante, porque se vive na pele essa adaptabilidade em todos os sentidos. Imagine que eu estava absolutamente estável há mais de 20 anos, trabalhando na mesma empresa com os mesmos colegas, com a mesma cultura e mesmas regras, e de repente ser exposto a uma região diferente, a um idioma diferente, embora eu seja fluente em inglês, é uma exposição a diferentes ‘accents’. Todas as pessoas aqui falam o inglês, mas cada qual com suas terminologias, que possibilita uma oportunidade a mais de aprendizado, com um exchange de moeda diferente, ou seja, todas as características que você está trabalhando são muito diferentes e digamos, complexas.
É preciso estar com a mente aberta e com o coração aberto e obviamente que se passa por momentos difíceis, agudos, que te fazem crescer. Você só cresce passando por dificuldades, se arriscando, passando por momentos novos, se colocando de forma diferente. Fui conversar com meu mentor antes de tomar essa decisão e ele me disse: ‘imagine você daqui a dois anos em Dubai em uma empresa líder de mercado lá e imagine você daqui a dois anos no mesmo local, no Brasil, na América Latina’.
Aquela frase foi fundamental pra mim, esse meu mentor é uma executiva, uma grande amiga, a Ana Paula Bogus, que é CEO das Havaianas no Brasil. Foi uma conversa enorme e muito agradável que eu tive com ela antes da minha saída do Brasil e quase que definitiva para eu tomar a decisão de realmente aceitar essa proposta de vir para os Emirados Árabes, especificamente para Dubai.
“Uma das verticais mais importantes para os grandes líderes é a sua adaptabilidade a novos cenários e ambientes”
R.H — No tocante a arquitetura, como os hotéis de Dubai se diferenciam em relação a tradicional arquitetura hoteleira que temos no Brasil?
P.M — No tocante a arquitetura, evidentemente que todas as obras que estamos participando, e as obras muito presentes em Dubai, nos Emirados Árabes ou no mundo como um todo, hoje existe muita qualidade seja na arquitetura ou seja no design de interiores aplicado nas obras de hotelaria pelo mundo e aqui na região. Essa região como tem uma reserva de valor muito grande e disposição de investimento, acaba trazendo os grandes especialistas do mundo para trabalhar. Vou dar alguns nomes que nós podemos trazer para cá como Zaha Hadid, Foster, e estamos tentando trazer um outro nome do Brasil. É muito interessante falar do que nós chamamos de consultants aqui, pois hoje existe uma falta, por conta do enorme desenvolvimento. A Arábia Saudita acaba drenando os grandes profissionais e estamos trabalhando na busca de nomes de primeiríssima linha para trabalhar conosco nos grandes projetos.
R.H — Quais os ensinamentos e aprendizados que a hotelaria de Dubai tem a ensinar a brasileira?
P.M — Eu acho que o grande diferencial hoje de Dubai é a busca por excelência. Essa é uma total consciência de que a excelência ainda é uma jornada a ser alcançada e digamos que estejamos na metade dela. Em todos os aspectos, seja no aspecto do produto, da construção de um grande projeto hoteleiro, de um projeto muito qualitativo, uma construção qualitativa, quanto na operação desse hotel. Hoje há um trabalho enorme em todas essas vertentes para alcançar excelência. A principal característica que eu vejo é a disposição do investimento a gerar valor.
A própria história de Dubai é visionária, é a história de alguém que investiu antes para receber o valor na sequência e isso é fantástico. Imaginar que há 40 anos não existia nada em Dubai, somente uma avenida, por onde passo todos os dias e muitas pessoas. É uma cidade que hoje conta com 12 milhões de pessoas e é um grande hub mundial. Hoje para você vir do Ocidente para o Oriente você precisa passar por Dubai. E você deseja passar por Dubai, é uma delícia passar uma semana, umas férias. E para quem quer trabalhar, estar dentro da maior onda de desenvolvimento do mundo, tem que vir, trabalhar, aprender e surfar a onda de Dubai.
Dubai está investindo maciçamente para se consolidar como um grande hub do turismo mundial nos proximos anos - Foto - Divulgação
R.H — Dubai é o emirado mais populoso e sua economia local baseia-se na produção e exportação de petróleo, mas percebendo que combustível fóssil tende a acabar, investe forte em turismo. Como você analisa esse contexto e o que se pode esperar de Dubai nos próximos anos?
P.M — Dubai até 2030 ou 2033 tem um plano de ser o centro mundial de turismo, seja de negócios ou de lazer. Quem quer crescer na área de hospitalidade, tem quase obrigação de conhecer os Emirados Árabes. Hoje os grandes projetos de desenvolvimento imobiliário, de desenvolvimento de hospitalidade no mundo, estão na Arábia Saudita, Dubai e Abu Dhabi. Então para mim foi uma grande oportunidade de dar continuidade na minha carreira, em um desejo enorme que eu tinha por uma experiência internacional, concretizada pelo Grupo Damac.
“Dubai até 2030 ou 2033 tem um plano de ser o centro mundial de turismo, seja de negócios ou de lazer”
R.H — No Brasil existem muitos gargalos como falta de incentivos governamentais para desenvolver novos hotéis, mão de obra, tributação excessiva, entre outros. Como é essa realidade em Dubai?
P.M — Acho que a grande diferença entre Dubai e outros países do mundo, incluindo nosso querido Brasil, são as regras. Aqui as regras são muito claras e bem estabelecidas e todos são pautados pelas mesmas regras. O empreendedor busca um retorno a curto, médio e longo prazo e ele só vai investir a médio e longo prazo quando as regras são claras e são cumpridas e é impecável como são cumpridas as regras em Dubai. Esse é um dos pontos que mais me chamam a atenção. Uma política de investimento que promove o investimento e desenvolvimento de novos projetos em todas as indústrias, dentre as quais as indústrias de turismo e hospitalidade as quais estamos inseridos.
R.H — Como é sua rotina de trabalho e os projetos que está trabalhando?
P.M — Minha rotina de trabalho é extremamente intensa, estou aqui há quase seis meses e parecem mais de dois anos. É uma rotina de muito trabalho, muita dedicação, de muito aprendizado e flexibilidade pois a todo momento estamos expostos a outras novidades. Nós estamos iniciando um projeto em uma nova ilha, para fazer um grande complexo que terá resorts, hotéis, etc. Isso é muito interessante e muito rico. É uma rotina intensa e gratificante pois há uma exposição a culturas do mundo inteiro, com trocas fantásticas e crescimento pessoal e profissional enorme.
R.H — Além da saudade do Brasil e dos familiares, o que mais sente falta ai em Dubai?
P.M — Acho que a resposta é do âmbito pessoal mais delicada. Quando me refiro a adaptabilidade ser complicada, incluo a saudade da família, dos amigos, do Brasil, de toda uma vida social muito intensa. Isso é um dos fatores que realmente pesa, para alguém que ama a vida como eu, que tem um forte networking. Já tenho muitas conexões em Dubai, mas é diferente, nosso Brasil é nosso Brasil. No entanto essa é uma passagem de minha vida que desejei muito e espero que todos meus amigos possam um dia me visitar e aproveito para deixar um beijo no coração a todos os amigos e leitores dessa conceituada revista.