Mesmo não alcançando patamares próximos aos níveis de 2018, a hotelaria gaúcha estava se recuperando da pandemia da COVID-19 e alcançando boas taxas de ocupação. Mas no início do mês de maio as fortes chuvas e inundações que ocorreram em praticamente todo o estado, tiveram um forte impacto. A região metropolitana da capital, as cidades da região da costa doce e as do extremo Sul foram todas afetadas por inundações generalizadas e alguns hotéis ainda permanecem fechados e sem perspectivas de quando vão retomar às atividades.
Além do impacto de cancelamento de reservas, muitos maquinários, móveis e infraestrutura foram inutilizados e exigirá um forte investimento na recuperação. E de onde virá a ajuda, é essa a pergunta que fica.
Com o aeroporto Salgado Filho sem previsão de reabertura, muitos equipamentos de eventos fechados, a incerteza é um fato. Muitos pequenos meios de hospedagem, não resistirão à tragédia e sucumbirão. Caso os acessos sejam recuperados, em alguns anos a hotelaria poderá voltar à normalidade. Essa é a previsão de Henrique Machado, Presidente da ABIH/RS - Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Rio Grande do Sul que pode ser conferida nessa entrevista exclusiva.
Revista Hotéis - Como estava a performance da hotelaria de Porto Alegre e do Estado antes das fortes chuvas que ocasionaram as inundações?
Henrique Machado - Porto Alegre estava com bons níveis de ocupação, embora a diária média não tenha acompanhado esse aumento. A melhoria nas taxas de ocupação não foi um reflexo da retomada econômica, mas sim da redução de mais de 30% na oferta devido ao fechamento de hotéis entre 2020 e 2022. Na Serra Gaúcha, o desempenho se manteve próximo ao de 2022, mas ainda não atingiu os níveis de 2018, indicando que, apesar de uma recuperação vigorosa, não se alcançou os patamares pré-pandemia.
R.H - Quais foram os hotéis afetados pelas inundações em Porto Alegre? Houve muitas perdas, daria para precisar?
H.M - Todos os hotéis da capital foram afetados: 21 sofreram inundações em suas instalações, enquanto outros enfrentaram a queima de máquinas e equipamentos. Alguns hotéis ficaram isolados, e outros enfrentaram problemas graves de umidade, afetando a rouparia e os sistemas de climatização.
R.H - E como ficaram as reservas de hospedagem? Houve muito cancelamento? E como estão lidando com a situação?
H.M - A grande maioria das reservas para maio foi cancelada, seja devido às restrições impostas pelos eventos cancelados ou à diminuição da demanda. Cada empresa e cada tipo de reserva exigiram uma abordagem individual por parte dos hotéis, incluindo remarcações, reembolsos e negociações de novas datas e valores.
“Todos os hotéis da capital foram afetados: 21 sofreram inundações em suas instalações, enquanto outros enfrentaram a queima de máquinas e equipamentos”
R.H - Quais as cidades gaúchas que também tiveram problema com inundações nos hotéis e como se encontra a recuperação?
H.M - A região metropolitana da capital, as cidades da região da costa doce e as do extremo Sul foram todas afetadas por inundações generalizadas. Na serra, poucos hotéis foram inundados ou sofreram deslizamentos, graças aos métodos construtivos empregados na região. Por outro lado, nos vales dos Rios Taquari, Pardo, Sinos, Cai e Gravataí, além da região central onde estão localizadas Santa Maria e Restinga Seca, cerca de 100 hotéis foram impactados, tanto em suas estruturas principais quanto em seus estacionamentos. Ainda não temos uma contagem precisa, pois, a comunicação eficaz para esse levantamento ainda não foi estabelecida.
R.H - Como o setor hoteleiro se uniu para ajudar a população afetada? As entidades co-irmãs, o FOHB e o Sindicato dos Hotéis também estão unidas nessas ações?
H.M - Todas as entidades, tanto laborais quanto empresariais, estão se engajando de maneira significativa no auxílio às vítimas e às famílias de seus associados. O voluntariado tem se destacado como um aspecto positivo da indústria hoteleira, com várias entidades não apenas fazendo doações, mas também atuando na linha de frente. Em cidades como Canoas, Igrejinha, Três Coroas, Santa Maria e Rio Grande, funcionários e proprietários de hotéis têm se envolvido ativamente nas operações de resgate, chegando até mesmo a se expor diretamente à água para salvar colegas, familiares e animais de estimação.
R.H - E como está a motivação junto aos colaboradores, pois certamente muito deles são vítimas das inundações.
H.M - A motivação está sendo sustentada com o apoio médico e psicológico, especialmente nas empresas de maior porte, devido à insegurança relacionada à manutenção do emprego e à preocupação com a segurança familiar. Muitos funcionários perderam suas casas e pertences, e enfrentam a incerteza do futuro próximo. A principal preocupação manifestada agora é garantir a sobrevivência e o bem-estar da família. Em alguns casos, houve perdas de entes queridos, o que abalou profundamente tanto os trabalhadores quanto suas redes de apoio.
R.H - Existe algum plano governamental de ajuda para os hotéis afetados pelas inundações ou será necessário? Como está a relação da ABIH/RS junto aos órgãos públicos para amenizar os impactos ao setor?
H.M - Os governos ainda não tiveram tempo de se manifestar sobre a situação da hotelaria, pois estão concentrados no combate às inundações e na resposta à devastação social que atingiu mais de 90% das cidades gaúchas, resultando em dezenas de mortes e na perda total de infraestruturas e meios de produção. Enquanto isso, a ABIH Nacional - Associação Brasileira da Indústria de Hotéis está atuando incansavelmente na linha de frente e se preparando para advogar por assistência financeira para a reconstrução pós-catástrofe. A Prefeitura de Gramado tem recebido apoio concreto das ABIHs de todo o Brasil, em resposta ao apelo do Presidente Manoel Linhares.
“A ABIH Nacional - Associação Brasileira da Indústria de Hotéis está atuando incansavelmente na linha de frente e se preparando para advogar por assistência financeira para a reconstrução pós-catástrofe”
R.H - O aeroporto Salgado Filho, assim como vários equipamentos de eventos foram afetados pelas inundações e não tem prazo de reabertura. Que impacto isso terá na performance dos hotéis nos próximos meses, tendo em vista que boa parte da hotelaria de Porto Alegre é região é baseada no turismo corporativo?
H.M - O impacto será avassalador, resultando na extinção de muitos estabelecimentos de hospedagem. Alguns serão condenados devido a questões técnicas em suas estruturas, outros sucumbirão devido à devastação de seus arredores, e alguns simplesmente não serão capazes de suportar os custos astronômicos de reconstrução que serão necessários. A geografia da cidade está passando por uma transformação radical que afetará acessos e espaços, e será extremamente difícil evitar o sentimento de insegurança, tanto entre os trabalhadores quanto entre os hóspedes.
R.H - No mês de junho inicia a alta temporada de inverno, isso pode auxiliar, além da hotelaria serrana, outras regiões riograndenses? Que análise você faz?
H.M - O turismo na temporada de inverno é um fenômeno característico da Serra Gaúcha, e se houver uma rápida recuperação das vias de acesso, como o Aeroporto de Porto Alegre e as principais rodovias federais, o turismo pode se tornar um dos principais impulsionadores da recuperação econômica. O setor turístico tem a possibilidade de uma retomada mais rápida em comparação com a indústria e o agronegócio, que podem enfrentar desafios prolongados devido aos danos causados pela catástrofe.
R.H - Que análise você faz para a hotelaria Riograndense para os próximos meses?
H.M - Incerteza. Muitos, principalmente os pequenos meios de hospedagem, não resistirão à tragédia e sucumbirão. Caso os acessos sejam recuperados, em alguns anos a hotelaria poderá voltar à normalidade.
R.H - Que lições podemos tirar dessas enchentes e como combater a vulnerabilidade?
H.M - A principal vulnerabilidade identificada é a ausência de uma alternativa de acesso aéreo. Com o aeroporto internacional mais próximo localizado em Florianópolis, surge a questão do porquê o Aeroporto de Caxias do Sul, situado a 130 km da capital e com uma região metropolitana maior que a de Florianópolis, não foi desenvolvido até o momento, apesar de estar planejado há mais de 50 anos. Essa aparente negligência por parte do governo pode ter impactos significativos na posição do estado como um protagonista nacional. Vale observar que o atual aeroporto de Caxias do Sul está em operação constante, porém suas instalações atuais não são adequadas para lidar com o volume de tráfego esperado e necessário neste momento.