Alexandre Sampaio: O Brasil passou a ser referência como destino

Escrito em 01/11/2025
Edgar J. Oliveira


A política empresarial da hotelaria e alimentação fora do lar – ponto de encontro estratégico entre as iniciativas pública e privada – encontrou em Alexandre Sampaio um de seus principais representantes no Brasil. Presidente da FBHA - Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação e Diretor do CETUR - Conselho Empresarial de Turismo e Hospitalidade do sistema CNC, o hoteleiro trabalha para que o turismo seja reconhecido como o caminho mais rápido para o desenvolvimento do Brasil.

O executivo, com mais de 40 anos de experiência no setor, aponta que o turismo brasileiro vive uma grande oportunidade de dar um salto. Nesta entrevista exclusiva, Alexandre Sampaio aponta as conquistas do segmento ao longo dos 70 anos de atuação da FBHA, ressalta as condições necessárias para que o setor possa pagar melhores salários e amplie a sua competitividade, destaca a importância dos dados para fundamentar e direcionar políticas de turismo a longo praza, sobretudo de infraestrutura, e explica como a Reforma Tributária irá redesenhar a hotelaria.

Revista Hotéis - Como a FBHA está posicionada e atuando em defesa do setor?

Alexandre Sampaio - A FBHA - Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação é reconhecida e respeitada. A entidade está presente em todos os fóruns do Brasil. Isso reflete um trabalho consolidado ao longo de oito anos da minha gestão como Presidente da FBHA, que se estenderá por mais 12 anos com a atual gestão. Nos últimos anos o meu trabalho foi para deixar a FBHA totalmente estável e expandir a sua atuação em estados como São Paulo, Santa Catarina, Bahia... Onde temos mais sindicatos são Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Minas Gerais.

As gestões são integradas e interagem com os governos estaduais através de uma leitura de representatividade, de maneira que eles dialoguem localmente e tenham o peso da federação popular. Agora eu quero cristalizar na federação uma visão do terceiro milênio para a nova realidade do turismo no Brasil. Eu acho que está na hora de trocar um hoteleiro por um restauranteiro. A minha ideia é já me programar para essa mudança. A FBHA foi fundada no Rio Janeiro por seis sindicatos históricos e foi ampliando a sua atuação. Na minha gestão, eu modernizei a FBHA, fiz um estatuto mais enxuto, fundamentando uma atuação pacificada.

R.H - A FBHA está completando 70 anos. O que significa esse marco e quais as maiores conquistas?

A.S - A FBHA tem uma atuação ampla. Fazemos parte do Conselho Nacional de Turismo, fazemos parte do Conselho Deliberativo da EMBRATUR, represento a ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas, que é a representante da ISO - International Organization for Standardization no Brasil. A gente promove encontros para discutir os principais temas do setor, como normas de segurança. O Brasil é uma referência muito grande em normas de segurança para turismo de aventura, principalmente escalada e rafting. Nesses anos todos a FBHA batalhou muito pela questão da regulamentação da Lei Geral do Turismo, pelas questões que envolvem o calibramento da insalubridade, pela questão dos direitos autorais, batalhamos muito pelas questões que envolvem padrões de serviço... Eu diria que a gente tem uma atuação bem eclética, bem holística, tanto na alimentação quanto na hotelaria. A gente conseguiu parametrizar alguns assuntos que envolvem a questão do uso de tickets na alimentação, na alimentação familiar, e logicamente agora a gente participou ativamente na Reforma Tributária.

Outro marco importante para o desenvolvimento do turismo brasileiro foi a implantação que fizemos nas 27 Fecomercios do Brasil de um conselho de turismo em todas elas. Hoje elas representam o turismo de modo decisivo. Também implementamos o projeto Vai Turismo, que sensibiliza os representantes públicos em todas as esferas, de maneira que o turismo tenha uma representatividade importante, e que desenvolva o projeto. Tudo isso fundamenta um marco nesses 70 anos de história da FBHA.

R.H - Recentemente o Brasil ultrapassou a marca de 6 milhões de turistas internacionais. Como avalia essa conquista e o que deve ser feito para continuar crescendo?

A.S - Eu acho que a EMBRATUR está fazendo um trabalho primoroso. É assertivo no sentido de participar ativamente em todas as feiras internacionais, fazer propaganda e mídia correta com a linguagem adequada, parcerias internacionais com agências de viagem, operadoras, companhias aéreas... O Brasil, na era Trump e pós-Bolsonaro, passou a ser uma referência como destino sustentável e propositivo. As pessoas estão descobrindo isso e querem conhecer coisas novas, viver experiências diferentes. E o Brasil oferece tudo isso. O turismo brasileiro segue crescendo. É bastante vitorioso o que vai ser o turismo nos próximos anos. Para atrair esses quase 7 milhões de visitantes internacionais, é claro que a EMBRATUR teve que se reinventar. Por meio de acordo, a gente está repassando R$ 100 milhões por ano ao Ministério do Turismo para potencializar as ações e repassar à EMBRATUR, que foi criada como uma agência, sem orçamento.

Para aumentar esse número, precisamos vencer alguns gargalos. Eu acho que a questão da reciprocidade de visto é ridícula no Brasil. Não precisamos disso. A gente precisa dos turistas aqui. Eu acho que isso dificulta a vida dos turistas. Somos um país continental e temos uma política de aviação regional, aviação aérea nacional de cabotagem muito ruim. Precisamos de mais companhias. Não vem gente voar para cá por causa da judicialização dos passageiros contra qualquer coisa que aconteça nos voos. É preciso evitar essa judicialização excessiva. Precisamos resolver o problema que a aviação tem de um cálculo parametrizado totalmente defasado.

“Para continuar atraindo mais turistas estrangeiros, o Brasil precisa vencer alguns gargalos”

R.H - No próximo ano começa a valer a reforma tributária. Como você analisa o texto que foi aprovado?

A.S - Desde o primeiro momento, nos conscientizamos de que quem paga a conta vai ter tributos aumentados. O Brasil paga hoje em torno de 32% a 37% de tributos, varia de acordo com o setor. A alíquota vai ser definida no final deste mês de novembro. Nós já temos o compromisso de desoneração de 40% sobre a alíquota padrão e ficará um pouco mais caro do que pagamos hoje no total dos impostos. Mas a vantagem vai ser sair daquela complexidade de impostos. Teremos uma facilidade muito maior de entender como vamos pagar e o que está pagando. Simplifica o processo. O Brasil entra numa realidade de primeiro mundo para isso. Eu ainda acho que a alíquota fiscal, a cunha fiscal é muito grande porque o governo gasta mal, gasta excessivamente e acaba não utilizando.

“Ao final de dez anos, quem sobreviver terá um ambiente tributário muito mais saudável”

R.H - A reforma tributária impacta de modo diferente um hotel de lazer e hotel executivo?

A.S - Eu diria até que os hotéis de lazer, como eles vão comprar mais, porque eles têm mais serviços, não se credita mais. Então, em tese, os hotéis de lazer tendem a ter um custo-benefício mais equilibrado. Se você compra menos, você não se credita tanto. E aí é um problema. Mas tem o seguinte: numa cidade grande, atualmente você compra muito de microempresas, e as microempresas não vão gerar crédito. Muita gente vai mudar a sua cadeia de fornecedores, e isso pode impactar muito elas também, mas vai acabar sendo necessário para poder fazer uma compra desonerada, vamos dizer assim, da atividade dos hotéis de cidade.

Há um prazo de dez anos de implementação e isso vai ser o paraíso dos contadores, porque a gente vai ter uma convivência com os dois impostos, o velho e o novo, numa alíquota que se reequilibra; ou seja, você começa a implementação da alíquota plena do imposto de insolência, o excesso cai e aí entra de modo complementar o imposto CBS e UBS, e a renovação vai avançando na sistemática. É muito perverso isso, porque é mais burocracia fiscal, é mais possibilidade de errar e é mais cuidado na questão da contratação dos profissionais que vão ajudar. Ao final de dez anos, quem sobreviver terá um ambiente tributário muito mais saudável.

R.H - A infraestrutura é um dos grandes desafios para o turismo brasileiro. Como analisa esse aspecto?

A.S - Em torno de 1800, o governo dos Estados Unidos incentivou a ocupação do meio oeste americano com aquelas caravanas. Mas ele não fez só isso, ele dotou de ferrovias, ele criou toda uma estrutura. As ferrovias foram fundamentais para que esse crescimento fosse sustentável. Estabeleceram-se cidades que tinham alguma estrutura de medicina, hospital, educação... O governo tinha assistido ao aumento da produção agrícola e criou portos na costa do pacífico. A verdade é que nós só descobrimos a nossa versão de agronegócio a partir desse século com a ocupação do meio oeste e da região centro-oeste do Brasil.

Mas faltou essa percepção de uma política inclusiva que propiciasse uma geração de renda e que somente o econômico sustentava a população agrícola. Os Estados Unidos também tiveram escravidão, problemas de violência, migração... e deu certo porque eles fizeram uma política certa. O imigrante ficou ao Deus dará, então faltou essa complementaridade dos Estados Unidos.

O Brasil tem toda essa riqueza natural e diversidade de culturas. O grande desafio é ter políticas a longo prazo, de fazer com que os governantes entendam a importância do turismo. Esse é também o propositivo do movimento Vai Turismo. Nós queremos que o turismo seja percebido como um caminho mais rápido para o desenvolvimento do País. O País pode, rapidamente, fazer a organização necessária, pois a situação agora é uma realidade nova, de novas tecnologias, de nova realidade, de outras coisas, mas o turismo é uma parte importante que se adere de maneira cabal para esse desenvolvimento integrado.

“O grande desafio é ter políticas a longo prazo, de fazer com que os governantes entendam a importância do turismo”

R.H - A falsificação de bebidas com metanol deixou o setor em alerta para a gestão de crise. Como a Federação representa restaurantes, como você vê esse cenário?

A.S - A falsificação de bebidas no Brasil sempre existiu e representa quase 20% do mercado formal. É um negócio absurdo. Muito nas periferias, muito nas zonas de desenvolvimento populacional pobre, favelas, muito nas cidades do interior. Mas a falsificação sempre se ateve a bebidas de pouca qualidade, que eram engarrafadas em frascos de bebidas icônicas. Estão estourando fábricas que não existiam antes.

R.H - Qual a importância da gastronomia para o turismo brasileiro?

A.S - A gastronomia brasileira tem crescido de maneira impressionante. O SENAC tem um grande papel nesse aspecto para atender às exigências dos clientes e prover um serviço adequado aqui no nível internacional. Então, tudo isso é um sistema que fez crescer não só na qualidade da avaliação gastronômica, mas na presença de etnias de cozinha, no melhor aprimoramento do nosso negócio profissional. Hoje a cozinha brasileira tem um papel tão legal na gastronomia mundial, no Brasil, no nosso profissionalismo internacional. Eu diria que ele está muito bem. Até em hotel mesmo, café da manhã do hotel, tudo se complementa. A gastronomia é um símbolo forte do nosso País e os restaurantes de hotéis são referências nas cidades. Eles se apresentam com esse objetivo, se aprimoram, agregam valor na sua diária cada dia.

“Então, tudo isso é um sistema que fez crescer não só na qualidade da avaliação gastronômica, mas na presença de etnias de cozinha, no melhor aprimoramento do nosso negócio profissional”

R.H - A hotelaria está vivendo um ‘apagão de mão de obra’ e muitos especialistas afirmam que isso está correlato aos baixos salários e a jornada de trabalho 6x1. Como você analisa essa questão?

A.S - Eu não sou contra o fim da escala 6x1. Eu acho que hoje, diante da realidade da falta de mão de obra, se você não flexibilizar, você vai ter cada vez menos possibilidade de gente trabalhar para você. Eu só acho que a gente precisa fazer uma compensação. Eu diria que a realidade de hoje é bem verdade que o processo 6x1 quase não caberia mais. Mas não é possível achar que você vai virar a chave. Você tem que fazer compensações, tem que ter alternativas para que as empresas possam suportar essa transição. O Brasil tem uma peculiaridade perversa. Nas questões que envolvem as ações sociais, o governo acaba tirando essa mão de obra de entrada, muita dedicação dos jovens, porque ele não vai trabalhar se ele tem Bolsa Família. E o governo vai ter que mudar a legislação. Satisfação do cliente e do colaborador são duas coisas que têm que andar juntas.

Em relação a questão financeira, temos que pagar mais também. O setor paga mal, mas paga mal porque tem um custo operacional muito alto também. Se pudesse pagar melhor, pagaria. A folha de pagamento é extremamente onerosa. Se a gente desonerasse a folha de pagamento, todo mundo pagava mais. Esse é um ponto de reflexão. Não precisamos pagar tantos penduricalhos. A folha de pagamento não se sustenta com uma implementação de quase 40% de custos opcionais sobre a folha. Por que nos Estados Unidos todo mundo ganha melhor? Porque lá não tem oneração na folha. O ambiente de empregabilidade é muito mais simples, muito mais objetivo, muito mais fluido. No Brasil, a folha de pagamento é um obstáculo. Por isso que a pejotização tem crescido, por isso que a informalidade tem crescido. Porque ninguém aguenta pagar mais que a folha de pagamento. O setor pode e deve pagar mais, mas ele precisa também ser desonerado.

R.H - Como analisa a hotelaria no Brasil nos próximos anos?

A.S - Eu acho que, sendo meio profético, a hotelaria de um futuro não muito longe será cada vez mais tecnológica. Como a mão de obra vai ficar sempre muito mais cara, a oportunidade de não abrir mão dos profissionais se faz presente porque vai ser a humanização do nosso serviço. O turismo tem a possibilidade própria de empregar jovens com pouca experiência, mas que se aprimoram na sua identificação. Mas eu acho que a gente vai ter muita mecanização e limpeza de quarto. Hoje a pessoa faz o pedido no totem, mas você vai ter a produção muito mecanizada também. As questões que envolvem check-in e check-out serão cada vez mais automatizadas, com menos pessoas trabalhando ali.

Mas, nós nunca vamos renunciar à presença humana. Em algum momento ela vai estar ali, mas para evitar custos e para ter produtividade. O restaurante do hotel sempre vai ter a presença humana. A recepção, talvez muito menos. Mas isso depende também da escala de presença. No hotel Midscale você vai ter, talvez, mais aceleração dessa questão da mecanização. A área de eventos vai crescer também no próximo ano.


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