Paulo Salvador, o agente de transformação da hotelaria

Escrito em 01/10/2024
Edgar J. Oliveira


Paulo Salvador viveu 18 anos na França e Alemanha tendo participado de vários projetos de inovação, transformação de negócios e M&A em diversos países

Paulo Salvador é um dos mais respeitados e admirados profissionais de hotelaria e turismo, com reconhecimento no Brasil e na Europa. Viveu 18 anos na França e Alemanha tendo participado de vários projetos de inovação, transformação de negócios e M&A em diversos países. Na Accor, como VP de Marketing e Vendas da América Latina implantou as marcas Ibis, Formule1, Mercure e Sofitel, como Diretor mundial de E-Commerce e Fidelização, foi responsável pela criação do programa All (Accor Live Limitless).

Conselheiro da feira de inovação em turismo Travel Forward da WTM em Londres, São Paulo e Dubai e COO Global da Omnibees. Atuou no Brasil na implantação da plataforma de distribuição da rede Intercity e foi co-fundador do FOHB - Fórum das Operadoras Hoteleiras do Brasil. Também ocupou o cargo de CEO da Modularis Offsite Building (empresa de tecnologia construtiva de hotéis investida da Arcelor Mittal).

Ele possui graduação em Jornalismo, MBA e Mestrado em Sociologia pela SciencesPo Paris, Coach Executivo pela TransformancePro na França. Atua há mais de 25 anos como executivo, palestrante e professor de marketing. Atualmente é professor titular de inovação do Mestrado em Hotelaria do ESSEC Business School Paris IHMI. Conheça um pouco mais dessa trajetória de sucesso de Paulo Salvador nessa entrevista exclusiva.

Revista Hotéis - Sua graduação acadêmica inicial é em jornalismo. Como se enveredou no segmento hoteleiro?

Paulo Salvador - Sou Jornalista e Administrator formado pela PUC do Rio de janeiro. Minha entrada no segmento hoteleiro foi totalmente inusitada. Em 1998 estava em transição profissional decidido a ir para a área acadêmica na ESPM SP (onde lecionei por mais de dez anos). Encontrei na Avenida Paulista o Luis Edmundo Rosa, que na época era VP de RH do grupo Accor. Havíamos trabalhado juntos no Banco Nacional. O Luis Edmundo disse: Paulo a Accor não pode perder a oportunidade de ter um profissional como você disponível no mercado. Quero que você conheça o Firmin Antonio e Roland de Bonadona (na época Presidente do grupo e CEO da divisão de hotéis respectivamente).

Na minha conversa com eles houve uma enorme sintonia e o resto da história não preciso contar. Quando entrei na Accor, no mesmo ano o Bonadona deu carta branca para visitar o mundo (literalmente visitei diversos países) por três meses. O objetivo era conhecer as melhores práticas de marketing que estavam rolando nos hotéis e no final dessa viagem eu deveria apresentar um plano sobre como a Accor no Brasil poderia proteger seus hotéis da super oferta, dando mais visibilidade a suas marcas etc. Foi a partir desse plano que pudermos estruturar uma das mais dinâmicas transformações que a hotelaria teve no Brasil no final dos anos 90.

R.H - Quais as demais formações que apresenta em seu curriculum profissional? Pretende acrescer algo mais?

P.S - Além da minha formação em Jornalismo e Administração sempre sonhei em estudar sociologia (porque acho que para entender o marketing precisamos estudar os movimentos da sociedade). Assim tive o privilégio de fazer meu mestrado na França, na SciencesPo, considerada a maior escola do mundo em estudos políticos e sociais. Anos depois senti que precisava compartilhar minha experiencia profissional com as pessoas. E foi através do coaching que decidi fazer isso. Fiquei quase dois anos estudando em uma das melhores escolas da França, Transformance e finalmente obtive meu diploma de Coach Executivo em 2021.

“Tive o privilégio de fazer meu mestrado na França, na SciencesPo, considerada a maior escola do mundo em estudos políticos e sociais”

R.H - Na função de VP de Marketing e Vendas da América Latina, você fez parte da equipe inicial que alavancou o crescimento da rede Accor. Como analisa esse trabalho e qual o legado que deixou?

P.S - Esse time que trabalhou na Accor nessa época foi aquele que semeou o gigante que é a Accor hoje no Brasil. Tive o privilégio de trabalhar com grandes profissionais como Bonadona, o Orlando de Souza (Presidente do FOHB) o Toni Sando (Hoje presidente do SPCVB), o Frank Pruvost (Polo econômico), Alberto Ribeiro (Desenvolvimento), Nagi Naufal (Polo Luxo) entre outros. Lançamos a marca Ibis no Brasil, o reposicionamento da rede Sofitel, trouxemos a marca Mercure e descontinuamos a Parthenon. Foi esse time que criou o programa de fidelidade genuinamente brasileiro que mais tarde me levaria para Paris para replicar mundialmente.

 

R.H - Por 17 anos você esteve trabalhando entre o Brasil e a Europa em diferentes modelos de negócio em Vendas, Inovação e Distribuição. Como foi essa experiência?

P.S - Quando fui para a França para lançar a estratégia global de e-commerce e fidelização da Accor (que resultou no programa ALL) não fazia ideia que seria uma jornada tão enriquecedora. Primeiramente como head mundial de uma divisão tão estratégica para o grupo: A distribuição direta estava começando e o eixo de crescimento da Accor na Asia estava ancorado na criação de programa de fidelidade (na época éramos os únicos a não possuir programa de loyalty quando comparados as redes americanas). A responsabilidade era enorme.

R.H - Em sua passagem pela França participou ativamente do lançamento do programa de fidelidade ALL (Accor Live Limitless). Como analisa essa experiência e como se encontra esse programa implantado?

P.S - A criação e o lançamento mundial do programa ALL foi o projeto da minha vida. Começamos apenas eu e minha secretária (que se chamava Laure David) em uma sala anexa do CEO na época (Gilles Pelisson). No final éramos mais de 30 mil pessoas em 90 países, integrando 45 sistemas diferentes em mais de 20 idiomas. Hoje o programa representa uma alavanca de crescimento e valorização do grupo com mais de 50 milhões de membros. Uma jornada bastante complexa, mas extremamente recompensadora no campo profissional.

“A criação e o lançamento mundial do programa ALL foi o projeto da minha vida”

R.H - Qual foi sua experiência por ter morado na Alemanha durante cinco anos, atuando como COO da Worldhotels?

P.S - A Worldhotels é um grupo que administra hotéis de luxo independentes. Quando saí da Accor fiquei dois anos estudando meu mestrado e depois fui convidado a ir para Alemanha pelo fundo de investimento que era dono da Worldhotels. Minha passagem como diretor de operações para Europa e Head Mundial de Marketing foi uma nova virada na minha carreira. Tive a chance de conhecer um universo totalmente diferente, o da hotelaria independente, pois 70% dos hotéis no mundo são independentes. No mundo todo, exceto nos Estados Unidos, as redes são responsáveis apenas por administrar uma parcela pequena de hotéis. Então quem passou a vida trabalhando em hotéis de rede não pode dizer que conheceu a nossa indústria na sua totalidade.

R.H - E o que te motivou a retornar ao Brasil e como reiniciou sua carreira profissional nesse regresso?

P.S - Quando a Worldhotels foi vendida para um outro fundo Americano, me desliguei da empresa pois meu contrato era com os donos anteriores e eles preferiram um management team americano. Coisas normais na vida de qualquer executivo. Assim aproveitei essa oportunidade para voltar e imediatamente o Alexandre Gehlen (CEO e Fundador da rede Intercity), que sempre respeitei muito, me chamou para ajudar a reestruturar a área comercial da rede. Acabei ficando três anos até ir para a Omnibees. Na Omnibees fiquei um ano ajudando o Luis Ferrinho a estruturar a empresa (que acabara de receber investimentos) e montar um plano de expansão e aquisição de outras empresas na Europa.

R.H - Quais foram os desafios que você enfrentou atuando na Modularis Offsite Building e os resultados alcançados?

P.S - Minha ida para Modularis aconteceu durante a pandemia. Fui contratado por eles como consultor para estruturar a empresa no segmento de construção de hotéis (35% dos projetos de green field no mundo são executados em modular, pois são capazes de entregar um hotel pela metade do tempo do que a construção tradicional com muito mais tecnologia e sustentabilidade que os métodos tradicionais). Depois acabei assumindo como CEO. Desenvolvemos grandes parceiras com Michaelis Arquitetos, B&B Hotels e Atrio. Adquirimos um terreno no bairro paulistano de Moema para a construção do primeiro hotel modular do Brasil de 12 andares e 120 apartamentos. Nesse interim a Arcelor Mittal, acabou entrando no capital da Modularis e trouxe muito mais tração ao projeto. Acabei me afastando como CEO mas permaneço sócio e estamos aguardando o momento econômico favorável para levantar o prédio e concluir o projeto.

R.H - O que o levou a aceitar o convite de se tornar sócio da Noctua Advisory e como se dará sua atuação?

P.S - Cheguei em uma fase da minha carreira que tenho privilégio de escolher o que faço e com quem faço. Com a Noctua foi isso que aconteceu. Conheço e admiro o Pedro Cypriano há anos, um profissional respeitado e pragmático que além da ambição de construir uma empresa referência de consultoria em turismo, traz também a visão humanista na forma de se relacionar com clientes, colaboradores e parceiros. Foi um match perfeito de ideias e propósito.

R.H - Como enxerga as oportunidades do mercado para sua área de atuação na Noctua que será a de marketing e inovação?

P.S - Marketing, tecnologia e inovação afetaram profundamente os hotéis pós pandemia: Clientes exigem novas práticas de sustentabilidade, viagens híbridas, Inteligência Artificial, turnover e escassez de mão de obra entre outros. Essas são algumas das muitas das dores que estamos ajudando a curar. E também a cobrança de investidores por melhores retornos. Despesas e investimentos devem ser bem executados. Mas se forem executados com inteligência de produto e otimização tecnológica podem gerar muito mais retorno. Não temos uma abordagem romântica do Marketing e da Inovação, mas sim com minha experiência queremos provocar nossos clientes sobre a melhor maneira de alocar recursos e entregar resultados.

“Marketing, tecnologia e inovação afetaram profundamente os hotéis pós pandemia”

R.H - Usando sua ampla experiência profissional internacional, que análise você faz do segmento hoteleiro no Brasil e as oportunidades apresentadas pelo destino Brasil?

P.S - Nesses quase 20 anos que permaneci entre Europa e Brasil percebo que existem dois mundos com evoluções diferentes. De um lado o mundo da hotelaria de rede que possui um entendimento extremamente sofisticado das práticas de distribuição e Revenue management. Mas que deixam muito a desejar em termos de concepção de produto. Veja bem, não digo produto enquanto função, mas produto enquanto experiência. Nossos hotéis de rede são todos eles muito tristes e repetitivos. Quando vemos o que as grandes redes estão fazendo lá fora em termos de conceito de produto, percebo que essas inovações ainda não chegaram no Brasil com a mesma força. É uma questão de tempo. Investidores precisam acreditar que uma reforma com conceito forte na experiência traz muito mais alavancagem de resultado do que uma simples reforma. Por outro lado, a hotelaria independente (principalmente a pequena hotelaria de luxo) está dando um banho e criando produtos extremamente originais e inovadores. Exploram a fundo nossos prazeres sensoriais: um banho diferente, uma cama extraordinária, uma luminoteca, música e gastronomia ousada. Tudo sem ser intelectual etc. Por outro lado, esses mesmos hoteleiros inovadores no produto não tiram proveito de todos os recursos que a tecnologia oferece para vender mais caro ou preencher o hotel todos os dias da semana.