A revogação do PERSE, diária hoteleira de 22 horas e exigência de vistos a vários turistas estrangeiros são algumas decisões negativas que podem impactar a performance da hotelaria nesse ano
A hotelaria nacional teve uma boa performance em 2023 com elevadas taxas de ocupação, a recuperação da diária média e do Revpar (receitas opor apartamento). E não foi necessária nenhuma pesquisa mercadológica para comprovar, bastou ligar ou fazer uma reserva num hotel para ver que os preços estavam bem maiores que antes da pandemia da COVID-19.
Os investimentos em novos hotéis estavam começando a alavancar, pois contavam com inflação sob controle, redução da taxa Selic, bons indicadores econômicos e principalmente com a segurança jurídica. Um grande aliado da hotelaria era o PERSE - Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos que foi criado em maio de 2021. Ele reduziu a zero as alíquotas dos tributos federias (IRPJ, CSLL, PIS e Cofins) das empresas do setor de eventos até dezembro de 2026 e também indenizou empresas que conseguiram manter empregos mesmo sem receita. Em linhas gerais, o PERSE salvou a falência de muitos hotéis e o agravamento do desemprego no Brasil. Mas no final do ano passado, com a justificativa de zerar o déficit fiscal do governo federal para os próximos anos, o Ministério da Economia resolveu revogar o PERSE, através da Medida Provisória 1202. Ela terá seus efeitos de forma gradual, tendo em vista que deve ser observado o princípio da anterioridade anual e nonagesimal. Com isso a cobrança da CSLL, do PIS e da Cofins será retomada a partir de 1º de abril de 2024. Já a cobrança do IRPJ será retomada partir de 1º janeiro de 2025. Ou seja, mudaram as regras do jogo em andamento e pegou o setor completamente desprevenido, pois os benefícios acordados para durar cinco anos, foram interrompidos em três anos. Sobre a revisão do programa para setor de eventos, Fernando Haddad argumentou que o benefício a esse setor superou o que estava previsto — uma renúncia de R$ 4 bilhões por ano até 2025 — e causou uma renúncia de R$ 16 bilhões.
Fabio Monteiro Lima, advogado especialista em direito tributário, com atuação no setor de Turismo diverge desses cálculos e diz que: “Forçoso é reconhecer que o Ministério da Economia não sabe precisar exatamente quanto o PERSE custou em isenções fiscais. Dos quatro tributos sujeitos ao PERSE, dois são apurados sobre a receita bruta (Pis/Cofins) e dois são apurados sobre o lucro (IRPJ e CSLL), valor que a RFB/Fazenda terá apenas em julho de 2025 com a ECF-2023. E a Fazenda não divulgou a metodologia de estimativa, mas podemos afirmar sua completa imprecisão”, destaca o Advogado Fábio.
A maioria dos juristas também consideram completamente ilegal essa decisão do Ministério da Fazenda e contraria a decisão suprema do Congresso Nacional, do Senado Federal e do STF – Supremo Tribunal Federal que já julgou ilegalidade de casos semelhantes a esse. Foi tomada como base a Súmula 544, em que as isenções onerosas, concedidas com prazo e condições, não podem ser livremente suprimidas, pois contrariam os princípios constitucionais da segurança jurídica e não surpresa do contribuinte. O artigo 178 do Código Tributário Nacional também prevê que os benefícios fiscais concedidos com prazo certo e sob determinadas condições, como é o PERSE, não podem ser revogados ou modificados por lei a qualquer tempo.
Insegurança jurídica não deveria existir no mundo dos negócios
Manoel Cardoso Linhares, Presidente da ABIH Nacional - Associação Brasileira da Indústria de Hotéis é uma das lideranças que insurgiram contra a revogação do PERSE e destaca que essa Medida Provisória trouxe de volta um clima de incerteza e confirmou o maior medo de todos os que querem investir no País: a insegurança jurídica e o ambiente de negócios desfavorável. “Não podemos esquecer que ambas as casas confirmaram o PERSE por três vezes. Houve inclusive um acordo com o atual governo federal há menos de um ano, e que os recursos para o programa já estão previstos na Lei Orçamentária Anual de 2024. A Medida Provisória antecipa a volta das cobranças para abril deste ano do que seria pago a partir de 2027 e ignora que, chancelada pela lei, toda uma indústria estabeleceu seu plano de negócio. Que não só incluiu o pagamento dos débitos contraídos durante as restrições pandêmicas - quando 80% dos hotéis ficaram fechados e, os que permaneceram abertos operaram com uma ocupação entre cinco e 8%, enquanto o ponto de equilíbrio do negócio é de 50% - mas traçou, diante da iminente recuperação do setor de turismo, planos de investimentos, muito deles já em execução. Vale também lembrar que devido a pandemia o setor de turismo no Brasil teve um prejuízo estimado por dados oficiais de R$ 515 bilhões”, lembra Linhares.
Manoel Cardoso Linhares: “A Medida Provisória antecipa a volta das cobranças para abril deste ano do que seria pago a partir de 2027” (Foto - Divulgação)
Segundo ele, os benefícios trazidos pelo PERSE deveriam vigorar até 2027 e seguem regras estabelecidas, como as empresas serem inscritas no regime normal de Lucro Presumido ou Lucro Real e no CADASTUR - Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos e essas características foram respeitadas integralmente pela hotelaria para sua adesão. Outro ponto que Linhares destaca é que, apesar de empregar cerca de três milhões de pessoas formalmente, o setor de hotéis não está entre os 17 setores que tiveram a folha de pagamentos desonerada. “Sendo assim, é importante deixar claro que sem poder contar com os benefícios do programa, centenas de meios de hospedagem ainda podem encerrar suas atividades, milhares de empregos serão perdidos e incontáveis vagas deixarão de ser geradas. Para termos uma ideia do potencial de empregabilidade do setor, de acordo com as informações do Novo Caged - Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho e Emprego divulgado no dia 28 de dezembro, o setor de alojamento e alimentação foi o que mais empregou em novembro. Houve a criação de 14.904 vagas formais de trabalho, o que só foi possível pelos benefícios gerados por esse programa”, elenca Linhares.
A Medida Provisória que revogou o PERSE tem validade imediata, mas deve ser confirmada pelo Congresso Nacional até o dia 1 de junho, senão ela caduca. Mas a pressão dos setores envolvidos na revogação do PERSE é grande como a do G20 + do Turismo, a união das 20 entidades do setor, assim como a Frente Parlamentar Mista da Hotelaria Brasileira. O objetivo é que o Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco devolva a Medida Provisória por falta de requisitos constitucionais de relevância e urgência, dado que as suas matérias foram debatidas no Congresso Nacional durante o ano de 2023.
Diária hoteleira de 22 horas
Outra decisão que passou quase despercebida no final de 2023, mas que poderá ter um grande impacto negativo no setor hoteleiro foi realizado pela Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo do Senado Federal. Ela aprovou um texto substitutivo ao Projeto de Lei nº 2.645/2019, de autoria do senador Ciro Nogueira, propondo que a diária de hospedagem corresponda à utilização da unidade habitacional e dos serviços incluídos, por um período mínimo de 22 horas, sob pena de redução proporcional do preço cobrado. De acordo com Alexandre Sampaio, Presidente da FBHA - Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação, o texto não condiz com a realidade e a modalidade turística do Brasil, uma vez que é preciso levar em consideração as sazonalidades e os costumes de cada localidade. “Além disso, o texto também propõe que o contrato de hospedagem para uma diária deve prever seu valor com proporcionalidade, assim como a possibilidade de diferentes horários de check-in e de check-out do hóspede. Compreende-se por diária o preço de hospedagem, correspondente à utilização da unidade habitacional e dos serviços incluídos, no período de 24 horas, compreendido nos horários fixados para entrada e saída de hóspedes. Não somos favoráveis a esse PL, e sim ao que existe hoje: um decreto presidencial da Lei Geral do Turismo, a 11.771, de 2008, que regulamenta que o hotel fixará a duração da diária de hospedagem mediante contrato direto com hóspede, de acordo com as sazonalidades e os costumes de cada localidade. Observando, logicamente, o fluxo turístico de cada município ou localidade, funciona desta maneira no mundo todo”, detalha Sampaio.
É necessário contabilizar as duas horas de limpeza e manutenção, o que no final, fecharia a diária de 24 horas (Foto - Liliana Drew – Pexels)
Com a aprovação do texto relatado na Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo pelo senador Dr. Hiran, o referido projeto legislativo seguiu à Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle e Defesa do Consumidor, para decisão terminativa (em princípio, caso aprovada, a matéria não precisará ser deliberada pelo Plenário do Senado) e aguarda a designação de relator. E caso aprovada no Senado, a proposta legislativa seguirá para a Câmara dos Deputados. “Como todo estabelecimento privado que tem suas normas, quem define horário de chegada e saída é a hospedagem, como autoriza o decreto presidencial que regulamenta a Lei Geral do Turismo, com base nos costumes de cada localidade e quando o hóspede paga por isso, sabe qual a regra do estabelecimento. Caso chegue às 20h00, foi opção do hóspede, e a hospedagem não tem a obrigação de dispor dos serviços oferecidos até às 20h00 do dia seguinte”, pontua Sampaio. Ele se indigna dizendo que o projeto de lei não condiz com o que é vivido no dia-a-dia da hotelaria, já que o tempo da diária também inclui limpeza e manutenção dos quartos, a fim de acomodar outro hóspede, e atender o interesse de todos os consumidores. “É necessário contabilizar as duas horas de limpeza e manutenção, o que no final, fecharia a diária de 24 horas”, finalizou Sampaio.
Alexandre Sampaio: “O projeto de lei não condiz com o que é vivido no dia-a-dia da hotelaria, já que o tempo da diária também inclui limpeza e manutenção dos quartos” (Foto - Marcelo Freire)
Exigência de vistos a vários turistas estrangeiros
Outra decisão muito polêmica que também poderia impactar o turismo no Brasil era a exigência de visto para americanos, australianos e canadenses. Ela estava prevista para iniciar em 10 de janeiro de 2024, mas a pressão dos setores do turismo foi grande e ela foi postergada através de Decreto do Governo Federal para entrar em vigor a partir do próximo dia 10 de abril. Mas já há indícios que essa decisão seja revogada, pois é descabida na opinião de Alfredo Lopes, Presidente da HotéisRIO - Sindicato Patronal dos Meios de Hospedagem da capital do Rio de Janeiro. “A decisão de voltar a cobrar vistos é inexplicável, um contrassenso em um momento em que nosso ministro Haddad busca receita em todos os lugares – e as divisas trazidas por turistas estrangeiros certamente seriam bem-vindas. Já registramos um enorme desequilíbrio entre o que os estrangeiros deixam aqui e o que os brasileiros gastam lá fora e, com a volta da exigência, essa diferença desfavorável vai aumentar.
Não tem nenhum sentido cobrar vistos não só de norte-americanos, mas de todos os países que tinham sido liberados. No caso dos turistas dos Estados Unidos, muitos terão que se deslocar para um estado que tenha um consulado brasileiro para poder fazer os trâmites, além de pagar uma taxa de US$115,00. Isso afeta frontalmente o trabalho de promoção do nosso país feito pela Embratur e dificulta muito a vinda de turistas estrangeiros para cá, justamente em um momento em que queremos trazer mais visitantes”, analisa Lopes.
Alfredo Lopes: “A decisão de voltar a cobrar vistos é inexplicável, um contrassenso” (Foto - Alexandre Macieira)
Ele lembra que o Brasil há décadas não ultrapassa a barreira dos seis milhões de visitantes estrangeiros por ano. “Por isso, sempre considerei a exigência de vistos uma visão unilateral desalinhada com a atual demanda do turismo nacional e fluminense. Esperávamos que o Governo Federal buscasse caminhos para ampliar investimentos em promoção e captação, que neutralizasse um histórico desastroso de relacionamento com estes mercados com enorme potencial de resposta. Reconhecemos que este governo, em um trabalho consistente que vem sendo realizado pela Embratur, caminha positivamente neste sentido. Mas ainda estamos longe do potencial de captação do mercado internacional. Por isso consideramos mais do que acertada a decisão do adiamento”, declarou Lopes.
Ele finaliza lembrando que durante mais de três décadas, o trade turístico brasileiro buscou a flexibilização da exigência de vistos para os norte-americanos, além de outros destinos emissores, em razão da relevância dos Estados Unidos como emissor de turistas e fonte de receita para o País. “A conquista do fim da exigência, em 2019, apresentou resposta rápida. Dados da Polícia Federal mostram que houve incremento de 21,39% na entrada de turistas provenientes dos Estados Unidos no segundo semestre de 2019, em relação ao mesmo período de 2018, embora em 2020 o cenário internacional tenha sido drasticamente afetado pela pandemia. Ainda na retomada, segundo o Ministério do Turismo, em 2021, o País chegou ao posto de principal emissor de turistas para o Brasil (132,2 mil) – historicamente, ocupava o segundo lugar, atrás da Argentina”, concluiu Lopes.
Os turistas norte-americanos são os que mais viajam no mundo e exigir cobrança de vistos deles é um retrocesso (Foto - Spencer Davis – Pexels)
Decisões acertadas
Mas algumas decisões acertadas pelo Governo são um alento ao setor do turismo em contraposição as medidas duras tomadas. Uma delas é o programa ‘Voa Brasil’, anunciado no último dia 9 de janeiro, pelo Ministro de Portos e Aeroportos, Silvio Costa Filho. Essa é uma iniciativa do Governo que já vinha sendo discutida desde março de 2023 e cujo escopo consiste em beneficiar determinado grupo específico de brasileiros, neste caso, os aposentados do INSS - Instituto Nacional de Seguro Social com renda de até dois salários-mínimos e estudantes bolsistas do ProUni, que se enquadrem na categoria de ‘baixa renda’. Em linhas gerais, o programa garantirá a um contingente de aproximadamente 21,4 milhões de brasileiros que não tenham viajado de avião nos últimos 12 meses, o acesso a passagens aéreas - por trecho - com preço reduzido (inferior a R$ 200,00). Estima-se que por meio deste programa, que está previsto para começar nessa primeira quinzena de fevereiro, além do fomento ao setor do turismo no Brasil, o mercado de aviação circule até cerca de R$ 3 milhões. O Governo sinaliza outras boas intenções como estreitar o relacionamento com as empresas aéreas. O objetivo é tentar reduzir do preço do querosene de aviação e fazer um esforço para diminuir os processos judiciais entre companhias aéreas e passageiros, que são os maiores no mundo e apresenta grandes impactos ao setor.
Cassinos integrados aos resorts
Outra medida importante tomada no final do ano passado que pode gerar benefícios para o setor de turismo foi a sanção pelo Presidente Lula do Projeto Lei 3626/23 de Apostas Esportivas e Cassinos Online. De acordo com o IDT-CEMA – Instituto de Desenvolvimento, Turismo, Cultura, Esporte e Meio Ambiente, a estimativa de que o faturamento deste mercado de apostas esportivas tem um potencial de atingir nos próximos três anos quase R$ 100 bilhões de faturamento no Brasil gerando aproximadamente R$ 12 bilhões de impostos. “Destes impostos arrecadados poderemos aumentar a competividade e divulgação turística, pois 28% serão destinados para o setor, ao Ministério do Turismo. Neste ano inclusive já serão iniciados projetos em empreendimentos hoteleiros, parques temáticos e restaurantes de integração das apostas esportivas e cassinos online. Eles criarão novos pontos de vendas e receitas com participação na remuneração ou em merchandising com projeção de poder atingir de 1% até 15% do faturamento total do empreendimento”, revela Bruno Omori, Presidente do IDT-CEMA.
Está prevista para este ano a aprovação da Lei 442/91 dos Cassinos Integrados Resorts, Cassinos Turísticos e Bingos (Foto - Stefan Schweihofer por Pixabay)
Segundo ele, está prevista para este ano a aprovação da Lei 442/91 dos Cassinos Integrados Resorts, Cassinos Turísticos e Bingos. “Prevemos a entrada de US$ 70 bilhões em investimentos nacionais e internacionais, que ativarão diretamente os mercados imobiliário, de construção, mobiliário, decoração, tecnologia e indústrias. Na sequência entrarão a qualificação dos profissionais com a academia e entidades de ensino; para então chegar à operação potencializando o destino Brasil como seus 52 segmentos do turismo”, avalia Omori.
Potencial do turismo no Brasil
Em meio ao contrassenso às medidas equivocadas adotadas pelo Governo contra o turismo, o próprio Ministério do Turismo acaba de divulgar uma pesquisa inédita informando que os brasileiros consideram turismo a terceira atividade econômica mais importante do País. Em primeiro lugar aparecem empatadas Tecnologia e Comércio com média 9 em uma escala de 0 a 10. Turismo aparece com média de 8,8 empatado com os setores da Indústria e da Agropecuária. Essa pesquisa ouviu 2.029 mil pessoas em uma amostra representativa da opinião pública brasileira, em todas as Unidades da Federação.
Esse gráfico da pesquisa do Ministério do Turismo mostra a importância do setor na economia nacional (Foto - Divulgação)
Ainda de acordo com a pesquisa, o setor do turismo é percebido como importante em todos os atributos avaliados, como geração de emprego e renda (88%), economia do País (88%) e desenvolvimento regional (84%). De cada 10 brasileiros, seis acreditam que o potencial de exploração do turismo como atividade econômica é alto ou muito alto no país. Além disso, para 79% dos entrevistados o turismo traz mais benefícios para os destinos do que prejuízos. Vale destacar que segundo dados da CNC - Confederação Nacional do Comércio, o turismo é a segunda atividade que mais emprega, atrás apenas da construção civil.