Muitos hoteleiros ainda insistem em manter salários baixos, jornadas excessivas e condições de trabalho antiquadas, em nome de uma suposta ‘tradição de servir’, o que não atrai as novas gerações
Com a recuperação acelerada do turismo após os anos de retração provocados pela pandemia, o setor de hotelaria volta a crescer em ritmo intenso. No entanto, esse avanço tem esbarrado em um obstáculo preocupante: a escassez de mão de obra qualificada. Em todo o País, hotéis, pousadas e resorts enfrentam dificuldades para contratar profissionais nas mais diversas áreas, desde cargos operacionais — como camareiras, recepcionistas e cozinheiros — até funções técnicas e de gestão. A situação tem impactado diretamente a qualidade dos serviços, a experiência dos hóspedes e, em alguns casos, até mesmo a capacidade de operação plena dos empreendimentos.
O fenômeno não é exclusivo do Brasil e reflete uma transformação global nas relações de trabalho. Após a pandemia, muitos profissionais migraram para outros setores ou passaram a buscar modelos mais flexíveis de ocupação, como o empreendedorismo ou o trabalho remoto, deixando lacunas difíceis de preencher em um segmento que exige presença física, disponibilidade e preparo técnico. Ao mesmo tempo, a falta de incentivos, baixos salários e a ausência de planos de carreira dificultam a atração e a retenção de talentos no setor.
Diante desse cenário, a hotelaria nacional precisa repensar estratégias de formação profissional, investir em qualificação e criar ambientes de trabalho mais atrativos e sustentáveis. A escassez de mão de obra já não é apenas um problema de contratação, tornou-se um fator estratégico que pode definir o sucesso ou o fracasso de muitos negócios no turismo.
Turnover
A recente pesquisa de turnover (rotatividade de pessoal) no setor hoteleiro, produzida pela CAPIH - Comissão dos Administradores de Pessoal da Indústria Hoteleira, grupo informal que atua no mercado hoteleiro há mais de 40 anos unindo profissionais das áreas de recursos humanos e relações do trabalho, revelou que o turnover médio acumulado até junho de 2025 ficou em 26,19%. Praticamente metade das empresas pesquisadas ficou acima dessa média, com casos superando os 40% de turnover acumulado. A média mensal foi de 4,84%, o que indica que, muito provavelmente, o percentual ultrapassará 55% no ano de 2025. A título de comparação, o acumulado anual em 2017 foi de 30% e em 2016 foi de 30,20%. O monitoramento permanecerá até o final deste ano. Os dados foram coletados entre 34 empreendimentos hoteleiros ao longo do ano, contando com hotéis independentes e de redes hoteleiras de diferentes portes.
Na opinião de Daniel Battistini, Coordenador da CAPIH, durante a pandemia, muitas pessoas foram desligadas ou tiveram seus contratos de trabalho suspensos, e essas pessoas foram descobrindo alternativas para sobreviver que vão desde montagem de pequenos negócios, motoristas de aplicativo e outras tantas alternativas para obter renda. “Muitos não voltaram aos hotéis quando o movimento retornou e nós nunca conseguimos repor essas equipes, que eram apaixonadas pela hotelaria e mudaram de ideia. Na retomada, em 2022, que iniciou o problema que persiste até hoje”, afirma.
Daniel Battistini: “Atualmente, a dificuldade de contratar atinge tanto as funções operacionais quanto às de atendimento” (Foto - Divulgação)
Outros fatores, como uma maior preocupação com a qualidade de vida, evitar deslocamentos demorados, ter mais tempo para o lazer e família também pesaram nessas escolhas. “Atualmente, a dificuldade de contratar atinge tanto as funções operacionais quanto às de atendimento. A maior rotatividade é justamente no setor mais operacional de um hotel: a governança. A hotelaria exige muito com a questão das escalas de folga, trabalho em datas comemorativas, horários variados e a remuneração não acompanha as exigências na mesma proporção”, ele diz.
Problema global
E não é só no Brasil que há uma carência de profissionais no setor hoteleiro. Esse fenômeno virou um problema mundial: nos Estados Unidos, por exemplo, o setor ainda tem cerca de 300 mil postos vagos desde o pico da pandemia; no Reino Unido, os hotéis registram quase 20% de déficit de mão de obra, afetando diretamente a operação; na França, a hotelaria soma cerca de 100 mil vagas abertas e dificuldade crescente de atrair jovens; na Alemanha, os hotéis perderam mais de 30% dos trabalhadores do setor durante a pandemia e não conseguiram repor; na Espanha, referência em turismo mundial, há um déficit estimado em 50 mil trabalhadores na alta temporada; e no Japão, o setor já projeta uma crise nos próximos anos com o envelhecimento da população e a falta de jovens interessados na hotelaria.
De acordo com Mario Cezar Nogales, Consultor especializado em hotelaria, autor de livros técnicos e referência no setor, a ausência de mão de obra qualificada no segmento é global, mas com agravantes locais. Para ele, o mundo todo enfrenta a chamada ‘crise do setor de serviços’, especialmente após a pandemia. “A hotelaria sofreu uma debandada generalizada de talentos. Camareiras migraram para plataformas de limpeza residencial com pagamento instantâneo e flexibilidade. Recepcionistas viraram atendentes home office ou mudaram para o varejo digital. Mas no Brasil a situação é mais grave porque temos um sistema educacional desconectado da realidade do setor e uma cultura que nunca valorizou o trabalho técnico-operacional. No exterior, funções como ‘housekeeping manager’ ou ‘front desk agent’ têm status, plano de carreira e capacitação contínua. Aqui, ainda tratamos essas funções como ‘quebra-galho até arrumar coisa melhor’. O resultado? A juventude nem cogita entrar nesse campo”, ele enfatiza.
Mario Cezar Nogales: “No Brasil temos uma cultura que nunca valorizou o trabalho técnico-operacional” (Foto - Divulgação)
Principais fatores
Entrando mais a fundo na questão dos fatores que explicam essa falta de mão de obra na hotelaria, para Mario Cezar Nogales, a escassez não é um fenômeno misterioso, e, sim, um resultado direto de um ciclo de desvalorização contínua promovido por anos de visão distorcida do setor. “Há três culpados principais: a romantização da profissão, a omissão de políticas públicas voltadas para qualificação técnica séria, e o desprestígio financeiro e social das funções operacionais. Muitos hoteleiros ainda insistem em manter salários baixos, jornadas excessivas e condições de trabalho antiquadas, em nome de uma suposta ‘tradição de servir’. O problema é que ninguém quer mais servir com um sorriso enquanto leva um tapa de descaso na outra face. O jovem trabalhador atual, e com razão, exige dignidade, perspectiva de crescimento e reconhecimento. Não encontra isso? Vai embora. Simples assim”, lembra Nogales.
Na opinião de Lucila Quintino, Sócia Consultora da Hotel Consult, a escassez de mão de obra na hotelaria não é uma situação recente e resulta de uma combinação de fatores. “Em primeiro lugar, considero que há pouco conhecimento sobre as reais possibilidades de carreira no setor. Muitos jovens e profissionais ainda não compreendem o potencial de crescimento que a hotelaria oferece, mantendo uma visão limitada de que se trata apenas de atender hóspedes”, diz.
Lucila Quintino: “Muitos jovens e profissionais ainda não compreendem o potencial de crescimento que a hotelaria oferece” (Foto - Divulgação)
Além disso, segundo ela, nem todas as redes e empreendimentos hoteleiros investem efetivamente em formação e desenvolvimento. Essa carência de investimento compromete fortemente a atração e a retenção de talentos. “Outro ponto relevante é a remuneração, que frequentemente se mostra inferior à de outros segmentos do setor de serviços. Isso impacta diretamente a atratividade da área. Também vale destacar as longas jornadas e a falta de flexibilidade nos horários, que atualmente são fatores cada vez mais valorizados pelos profissionais, especialmente entre as novas gerações. A tradicional escala 6x1, por exemplo, torna-se pouco atrativa quando comparada às possibilidades oferecidas por outras áreas”, afirma.
A Hotel Consult é especializada em recrutamento, seleção, treinamento, desenvolvimento, assessoria e consultoria em hotéis. As dificuldades que a empresa enfrenta na seleção de candidatos para o mercado hoteleiro variam conforme o nível da vaga, mas há desafios recorrentes. O primeiro deles é a baixa procura por parte de profissionais interessados em atuar na hotelaria. “Outro entrave significativo é a escassez de pessoas qualificadas tecnicamente no ramo da hospitalidade. Existe também um desalinhamento frequente entre o que os hotéis buscam e o que o mercado tem a oferecer, tanto em termos técnicos quanto comportamentais”, revela Quintino. Para ela, atualmente, não basta ter experiência. Atitudes, postura e competências comportamentais são decisivas, pois são justamente esses aspectos que mais contribuem para os desligamentos nos hotéis. “Fora isso, muitos candidatos demonstram expectativas de crescimento acelerado, o que não se alinha à realidade da hotelaria, onde o desenvolvimento profissional passa por diversas etapas e requer um tempo mínimo de maturação. Soma-se a isso o fato de que outros setores oferecem remuneração similar, ou até superior, com rotinas menos exigentes ou horários mais flexíveis”, ela completa.
A Professora doutora e pesquisadora da USP – Universidade de São Paulo, Mariana Aldrigui, acredita também que são vários fatores combinados que fazem com que haja falta de profissionais no mercado hoteleiro. “O que eu vejo no convívio com alunos que se candidatam é uma combinação de salários muito baixos - especialmente quando comparados com setores como marketing, mídia digital e tecnologia - e escalas pesadas, em sua maioria 6x1. Do lado dos contratantes, uma expectativa exagerada de competências – idiomas, tecnologia, flexibilidade, sem a devida compensação ou reconhecimento. Em resumo, fica cada vez mais evidente que o setor não entende que os salários e as condições oferecidas não são competitivos em um cenário em que há empregos mais atrativos sendo oferecidos”, enfatiza.
Mariana Aldrigui: “Fica cada vez mais evidente que o setor não entende que os salários e as condições oferecidas não são competitivos” (Foto - Divulgação)
Um fator a se levar em conta para a escassez de mão de obra recente foi a questão da pandemia de COVID-19, que forçou os profissionais de hotelaria a migrarem para outras áreas por uma questão de sobrevivência. Quem compartilha dessa opinião é Gunnar Georgi, Consultor especialista em hotelaria e serviços. “Quando o setor retomou, esses profissionais não voltaram para os hotéis, por diversas razões, entre elas, escalas de serviço, remuneração, oportunidades de carreira, entre outras”, comenta. “Não consigo afirmar tão categoricamente, mas certamente o fato de que muitos empregos conseguiram migrar para o sistema de home office ou híbrido fez com que a hotelaria e a área de alimentação se consolidassem como empregos 100% presenciais e desgastantes. Eu não considero uma sequela da pandemia, mas um ponto relevante que demanda reflexão e propostas mais criativas e pragmáticas, ajuste salarial e redução na carga horária, permitindo que mais profissionais possam voltar a se interessar pelo setor, para quem sabe assim termos maior qualificação na mão de obra”, diz Aldrigui.
De acordo com Zara Bulgari, Fundadora da D11 Brasil, a escassez de mão de obra traz impactos diretos e severos na operação e sustentabilidade financeira dos hotéis. O aumento de custos operacionais, devido à alta rotatividade de pessoal e contratação de profissionais extras mais caros, afeta diretamente a lucratividade. “A qualidade do serviço prestado é comprometida, impactando negativamente a experiência do hóspede e a reputação dos hotéis. A dificuldade de preencher posições essenciais, como camareiras e recepcionistas, gera sobrecarga sobre a equipe existente e pode levar até mesmo à restrição de serviços básicos, resultando em perda significativa de competitividade”, analisa.
A D11 Brasil oferece qualificação gratuita e especializada para aqueles que desejam ingressar no setor da hotelaria e eventos. O compromisso é transformar vidas por meio da capacitação profissional, proporcionando inclusão produtiva e abrindo portas reais para o mercado de trabalho. “Conectamos nossos alunos diretamente com uma rede estratégica de parceiros renomados, como a Rede Accor e diversos estabelecimentos que são referência em hospitalidade, garantindo oportunidades legítimas de emprego e crescimento profissional. Além dos programas gratuitos, também atuamos em colaboração com hotéis para capacitação interna de líderes e equipes operacionais, proporcionando treinamentos customizados que elevam significativamente a qualidade dos serviços e contribuem diretamente para o desenvolvimento sustentável do setor”, nos conta.
Redes hoteleiras
A Wyndham Hotels & Resorts possui aproximadamente 9.300 hotéis em quase 95 países em seis continentes. No Brasil, uma de suas principais operações é o Wyndham São Paulo Ibirapuera Convention Plaza, na capital paulista. Os principais obstáculos encontrados pelo empreendimento para selecionar candidatos às vagas em hotelaria estão relacionadas tanto ao perfil técnico quanto ao comportamento dos candidatos. “Recebemos, com frequência, profissionais com pouca ou nenhuma experiência anterior na área. Também identificamos uma carência de competências comportamentais essenciais, como boa comunicação, empatia, postura profissional e trabalho em equipe. Outro desafio recorrente é a evasão durante o próprio processo seletivo, pois muitos candidatos não comparecem às entrevistas ou desistem da vaga antes mesmo da contratação. Isso indica uma falta de entendimento sobre a rotina do setor ou uma baixa identificação com a proposta de trabalho”, revela Jussara Janini, Gerente de recursos humanos e líder do departamento pessoal.
Jussara Janini: “É importante adaptar a cultura organizacional à nova realidade dos profissionais, que buscam reconhecimento, propósito, desenvolvimento e equilíbrio entre vida pessoal e profissional” (Foto - Divulgação)
Ainda, segundo ela, a escassez de mão de obra na hotelaria é consequência de múltiplos fatores. Por exemplo, as jornadas em turnos alternados, incluindo finais de semana e feriados, que ainda afastam muitos profissionais. “Um ponto relevante é a migração de profissionais para outras áreas, além do crescimento do trabalho informal dentro da própria hotelaria. Muitos profissionais continuam atuando no setor, mas por meio de cooperativas e agências de mão de obra ‘extra’, que oferecem maior flexibilidade e uma remuneração atrativa de forma imediata. No entanto, esse modelo não garante benefícios trabalhistas como 13º salário, férias, FGTS e plano de carreira, o que não é considerado no momento da escolha”, diz a Gerente.
Jussara também conta que busca profissionais que tenham atitude em servir, pessoas que realmente gostem de lidar com pessoas, e estejam dispostos a proporcionar uma experiência positiva aos hóspedes. “Valorizamos muito a proatividade, a boa comunicação, empatia, trabalho em equipe e o comprometimento. Flexibilidade, resiliência e disposição para aprender também são qualidades essenciais no nosso dia a dia. Embora a experiência prévia seja um diferencial, o mais importante é ter o desejo de construir uma trajetória na hotelaria”, finaliza.
Retenção
Existem diversos fatores e iniciativas importantes para promover a retenção de talentos no setor. Um deles é tornar a hotelaria mais atrativa. “Para isso, é fundamental divulgar melhor as possibilidades de carreira do setor, principalmente entre os jovens que estão em fase de escolha profissional. Ainda há muito desconhecimento sobre o que significa atuar em hotelaria”, conta a Sócia Consultora da Hotel Invest, Lucila Quintino.
Outro ponto crucial é o investimento contínuo em treinamento e capacitação. Isso gera não apenas desenvolvimento, mas também engajamento e pertencimento. Valorizar o colaborador, reconhecendo seu desempenho e promovendo um ambiente de trabalho positivo, também é essencial. “É importante, ainda, tornar a proposta de remuneração e benefícios mais competitiva. E, sobretudo, oferecer clareza em relação ao plano de carreira, principalmente em redes hoteleiras, que têm o potencial de proporcionar mobilidade geográfica e crescimento estruturado. Outro fator-chave é a forma como o novo colaborador é recebido. Um processo de integração bem conduzido, que reflita a cultura e os valores da empresa desde o primeiro dia, contribui para manter o encantamento iniciado ainda no processo seletivo”, esclarece Lucila.
Na opinião de Gunnar Georgi, posições da base da operação hoteleira, incluindo camareiras e recepcionistas, hoje tem um suporte relevante de programas sociais do governo federal, além da questão já citada de escalas de trabalho e remuneração. “Isso enfraquece o interesse desses profissionais nas funções operacionais de uma forma muito forte. Esses dois pontos são o grande desafio que os hotéis tem pela frente, para as contratações e retenções. Políticas de retenção, sem sombra de dúvida, são fundamentais nos dias de hoje perante esse cenário”, conclui. “Redesenhar a carga horária seria minha primeira sugestão, pois isso naturalmente vai mexer com o ânimo e a disposição da equipe. Repensar salários e benefícios a partir de uma pesquisa interna pode ser muito eficiente, nem sempre isso vai envolver altos custos, apenas mudança em prioridades”, destaca Aldrigui. “Eu acredito que o segredo da retenção na hotelaria passa por dois fatores: uso de escalas de folga diferenciadas que não seja a tradicional 6x1, aliado a uma melhora na remuneração. Converso muito com outros setores que possuem a mesma dinâmica, como os comerciários, e eles sofrem da mesma dor”, enfatiza Daniel Battistini, Coordenador da CAPIH.
Gunnar Georgi: “Políticas de retenção, sem sombra de dúvida, são fundamentais nos dias de hoje perante esse cenário” (Foto - Divulgação)
Alan Guizi, Professor de Turismo da Universidade Anhembi Morumbi, acredita que a hotelaria precisa repensar a escala 6x1 e as políticas de remuneração, de modo que a área possa ser vista como uma possibilidade de trabalho para os novos hoteleiros e, volte a atrair interessados. “Nesse sentido, é importante também inserir políticas que visam a remuneração emocional, programas de reconhecimento, de acolhimento, de integração e de oportunidades dentro da empresa, de modo que o colaborador se sinta valorizado e que tenha oportunidades de crescimento ou mesmo de mobilidade entre setores dentro da empresa”, diz. Ele sugere o estabelecimento de treinamentos adequados, de modo que o novo hoteleiro possa compreender suas tarefas diárias e possa desempenhá-las dentro daquilo que o hotel espera, e não apenas contar que o candidato já venha com este conhecimento, aceitando baixa remuneração e alta carga de trabalho. “O jovem precisa perceber que a empresa para a qual trabalha busca somar em seus conhecimentos e crescimento profissional”, enfatiza.
Por fim, mas não menos importante, Guizi conta que, como professor universitário, ele sugere que os hotéis abram as portas para as universidades, tanto para visitas técnicas quanto para estudos realizados por alunos de maneira geral, e que a hotelaria se mostre acolhedora aos alunos, e respondam solicitações de entrevistas, estudos, pesquisas e visitas, desde cargos mais operacionais até a gerência geral, pois aqueles com quem o hotel dialoga podem virar uma futura contratação. “Nesta questão o que notamos é, o hotel que se mostra aberto, é aquele no qual os jovens mais desejam trabalhar”, finaliza.
Sobre o aumento da retenção, afirma Janini, é fundamental valorizar o colaborador de forma integral. Isso inclui oferecer planos de carreira estruturados, investir em treinamentos contínuos e práticos, promover um ambiente de trabalho saudável, assim como campanhas de incentivo, benefícios atrativos, feedbacks constantes e comunicação clara. “Também é importante adaptar a cultura organizacional à nova realidade dos profissionais, que buscam reconhecimento, propósito, desenvolvimento e equilíbrio entre vida pessoal e profissional. A retenção é uma consequência direta de uma gestão que escuta, apoia e dá oportunidade de crescimento real”, comenta.
Para enfrentar esse desafio, diz Zara Bulgari, os hotéis precisam adotar estratégias integradas de recrutamento, retenção e capacitação. Melhorar condições de trabalho, oferecer remuneração mais atrativa, benefícios reais e escalas mais flexíveis são passos fundamentais. “Investir fortemente em liderança capacitada e treinamentos contínuos é crucial para retenção de talentos, criando um ciclo virtuoso de baixa rotatividade, aumento de produtividade e maior satisfação do colaborador. Estratégias inclusivas de recrutamento e diversificação das formas de contratação, como a inclusão de imigrantes e público 50+, também são imprescindíveis para ampliar a base de profissionais qualificados”, afirma a Fundadora da D11 Brasil.
Zara Bulgari: “Investir fortemente em liderança capacitada e treinamentos contínuos é crucial para retenção de talentos” Gunnar Georgi: “Políticas de retenção, sem sombra de dúvida, são fundamentais nos dias de hoje perante esse cenário”
Formação acadêmica
De acordo com Nogales, os cursos de formação na base da pirâmide hoteleira viraram peça decorativa em muitos casos. Multiplicaram-se escolas de hotelaria que oferecem certificados sem campo prático, sem vivência de hotel e sem ensinar o profissionalismo, que é o mais importante. “A hotelaria precisa voltar a formar quadros técnicos com seriedade. Cursos voltados para camareiras, recepcionistas, governantas e auxiliares administrativos devem ser tratados com o mesmo rigor que se cobra de formações em TI – Tecnologia da Informação ou contabilidade. O mercado precisa de cursos técnicos de verdade, com carga horária robusta, professores com prática hoteleira real e integração com o setor produtivo”, ele avalia. “Os cursos de formação são ilhas de resistência, embora tenham sofrido com uma consistente queda na demanda. A formação é o ponto de partida, pois é a partir da integração à uma empresa que se entende cultura empresarial, filosofia de serviços e se aprende com a realidade do dia a dia. Enxergo que há oportunidade para a oferta de cursos rápidos, voltados principalmente para quem ainda está se aproximando da área. E, naturalmente, é importante pensar que da mesma forma que os hoteleiros, os gestores dos cursos também precisam compreender a mudança nos valores geracionais, e modificar as estratégias para captação de alunos”, explica a Professora Aldrigui.
O Senac São Paulo possui um portfólio com cerca de 30 títulos voltados à área de hotelaria, distribuídos em diferentes níveis e modalidades de ensino. São atendidos desde a formação inicial até níveis mais avançados, com cursos livres, qualificação profissional, curso técnico, graduação (tecnológica e bacharelado), pós-graduação e extensão universitária. Entre os grandes diferenciais da instituição está a oferta da Aprendizagem Técnica em Hospedagem e a Prática Profissional nos hotéis-escola, que proporcionam experiências reais aos alunos, aproximando-os do cotidiano da hotelaria de forma concreta e aplicada.
Outro ponto de destaque é o Desafio Senac: Alunos no Comando, uma vivência prática exclusiva para estudantes da Graduação em Hotelaria e do curso Técnico em Hospedagem. “Nesse projeto, os alunos assumem por um final de semana a operação completa de um dos nossos hotéis-escola, colocando em prática todas as competências adquiridas durante a formação, sendo uma oportunidade singular de liderança, gestão e tomada de decisão em um ambiente real”, diz Daniela Maria Fraga Mendes, Coordenadora de Turismo e Hospitalidade do Senac São Paulo.
Daniela Mendes: “Podemos afirmar com segurança que quem deseja se profissionalizar na área de hotelaria encontrará no Senac uma formação alinhada às suas necessidades, objetivos e momento de carreira” (Foto - Divulgação)
Além da qualidade do ensino, o Senac também se preocupa com o acesso. Os cursos livres, técnico e de qualificação profissional contam com bolsas integrais por meio do PSG - Programa Senac de Gratuidade. Já no ensino superior, são oferecidas políticas de parcelamento facilitado e descontos, como 50% para estudantes oriundos da rede pública ou do próprio Senac, ou ainda para trabalhadores do comércio de bens, serviços e turismo. Para empresas, há soluções customizadas pelo Atendimento Corporativo. “Podemos afirmar com segurança que quem deseja se profissionalizar na área de hotelaria encontrará no Senac uma formação alinhada às suas necessidades, objetivos e momento de carreira”, conta Daniela.
Nos últimos dois anos (2023 e 2024), O Senac São Paulo registrou aproximadamente 2.000 alunos matriculados nos cursos da área de hotelaria, sendo cerca de 800 deles beneficiados com bolsas integrais por meio do Programa Senac de Gratuidade. “Em 2025, observamos um crescimento expressivo na procura por essas formações. No comparativo entre os períodos de 1º de janeiro a 11 de julho de 2024 e no ano de 2025, houve um aumento de 53% nas matrículas, saltando de 568 para 851 alunos. Esse dado, embora moderado, reforça a relevância da área de hotelaria e o interesse por qualificações profissionais em diferentes modalidades de ensino oferecidas pelo Senac. Reflete também a confiança dos estudantes na qualidade da nossa formação e na importância do setor para a economia e geração de empregos”, afirma a Coordenadora.
Atualmente, a Universidade Anhembi Morumbi tem o curso de Bacharelado em Hotelaria, acontecendo de maneira presencial no campus Mooca, na capital paulista, com duração de seis semestres. Há também outros cursos na área de Turismo e Hospitalidade, como Turismo, Gastronomia, Eventos e, iniciando neste ano, o curso de Sommelier. Fora os cursos de pós-graduação como Hospitalidade, Turismo e Novos Negócios, e Gestão de Turismo e Hospitalidade, ambos online. A universidade oferece o Programa de Mestrado e Doutorado em Hospitalidade, que também possui a hotelaria como um de seus objetos de estudo, para aqueles que buscam atuação acadêmica, em pesquisa ou em gestão.
Para o Professor Alan Guizi, as novas vagas não acompanharam o nível de qualidade esperado pelos novos hoteleiros, ou por pessoas que antes tinham o interesse em entrar neste mercado. “Para nós, que estamos na universidade, foi possível perceber nos jovens uma certa negação à escala de trabalho 6x1, pois há uma percepção de que o trabalho interferirá em sua jornada acadêmica e qualidade de vida, fazendo-o optar por cursar aulas e fazer atividades nos poucos momentos em que estariam em repouso ou de folga. Depois de formado, isso é levado adiante, dificilmente optando por seguir na hotelaria. Outro aspecto que pesa na escolha dos alunos e recém-formados são os salários, geralmente abaixo daquilo que buscam receber, havendo uma percepção de baixa valorização profissional frente a carga de trabalho exigida”, ele conta.
Alan Guizi: “Para nós, que estamos na universidade, foi possível perceber nos jovens uma certa negação à escala de trabalho 6x1, pois há uma percepção de que o trabalho interferirá em sua jornada acadêmica e qualidade de vida” (Foto - Arquivo Pessoal)
Para além da carga de trabalho e do salário, a percepção de falta de treinamentos ou de programas de aperfeiçoamentos também são frequentes, o que deixa os futuros profissionais também desconfortáveis, além de transmitir a percepção de baixo investimento em desenvolvimento profissional. “Nesse assunto, muitos relatam que a solução adotada é a entrega da responsabilidade ao superior imediato, que muitas vezes não está apto ou não dispõe de tempo apropriado para treinar outras pessoas, gerando conflitos e desentendimentos diversos”, revela Alan. Segundo o Professor, há uma dificuldade no que tange à remuneração emocional na hotelaria, relativos ao reconhecimento profissional, acolhimento e percepção de oportunidades internas para crescimento profissional ou para mobilidade entre setores, ou seja, considerar os interessados internos nas vagas, antes de avançar para contratações externas.
Nova geração
A nova geração de trabalhadores, formada por pessoas da Geração Z e Millennials, têm procurado aliar a diversificação com a tecnologia, e o que vimos atualmente é que os jovens querem mais qualidade de vida, poder trabalhar remotamente e sem uma rotina fixa. A questão financeira também é outro fator preponderante, o que faz surgir uma outra pergunta no debate sobre o tema: Você, que fala dois idiomas, está sujeito a trabalhar na área operacional de um hotel recebendo cerca de dois salários mínimos?
Cargos de camareira e recepcionista, por exemplo, foram desvalorizados ativamente por políticas míopes de gestão e por um discurso institucional que exalta o hóspede e esquece o colaborador, na opinião de Mario Nogales. “O mesmo hotel que investe milhões em fragrância de lobby hesita em pagar um salário decente à camareira que limpa o apartamento”, ele diz. “A nova geração não é preguiçosa, é lúcida. Ela entende que hotelaria não é glamour, é operação pesada. E se o mercado não oferece reconhecimento, ambiente saudável e possibilidade real de crescimento, ela parte para outras áreas com menos carga emocional e mais retorno financeiro”, completa.
Na análise de Lucila Quintino, sem dúvida, a nova geração tem um papel central nesse contexto, pois os jovens profissionais de hoje apresentam expectativas e demandas bastante diferentes das gerações anteriores. Eles buscam propósito no trabalho, mais até do que estabilidade ou status. Também priorizam qualidade de vida e flexibilidade. “A tecnologia também exerce grande influência. A nova geração valoriza ambientes inovadores, e embora a hotelaria tenha feito avanços, ainda está atrás de outros setores no que se refere à incorporação de soluções tecnológicas”, diz. O papel da liderança se mostra cada vez mais importante. O jovem quer saber para quem vai se reportar e como esse líder pode contribuir para o seu crescimento. Portanto, segundo Lucila, o gestor tem um papel fundamental na retenção desses talentos. “Por fim, é importante lembrar que todos nós já fomos jovens e fomos diferentes das gerações que nos antecederam. Compreender e acolher essas novas características é essencial. Se não nos abrirmos para isso, comprometeremos não apenas a retenção de talentos, mas também o futuro da nossa própria atividade”, alerta. Segundo Gunnar Georgi, “a geração de profissionais que vem se consolidando como mão de obra para serviços nos dias de hoje é uma geração menos preocupada com estabilidade profissional e crescimento de carreira, o que dificulta as contratações de mão de obra no cenário da hotelaria”, diz.
Os hotéis estão enfrentando dificuldades em contratar colaboradores em funções básicas, como a de camareiras (Foto - Pexels - Liliana Drew)
Na visão de Mariana Aldrigui, é preciso entender que essa nova geração tem valores e desejos muito diferentes das gerações anteriores. “São filhos de pais que muito provavelmente trabalharam muito e tiveram pouco tempo para si e para suas famílias, e que orientam seus filhos a buscarem melhores opções. Além disso, há muita informação nas redes sociais sobre a importância de construir uma vida equilibrada, em especial em um cenário em que mesmo trabalhando muito, as condições de vida não melhorarão, como apontam vários analistas econômicos. E, novamente, não é difícil fazer escolhas entre as opções que estão dadas – há muitas opções de empregos e estágios com melhores opções que aquelas oferecidas pela hotelaria”, ela lembra.
Na opinião de Daniela Mendes, sem dúvida, as mudanças geracionais influenciam diretamente o cenário atual da hotelaria, especialmente na forma como os jovens encaram o trabalho e as relações profissionais. “Por isso, formar profissionais alinhados aos novos perfis comportamentais e às exigências do mercado contemporâneo é um compromisso permanente do Senac São Paulo. O jovem de hoje busca mais do que um emprego: procura propósito, conexão e impacto. E o Jeito Senac de Educar responde diretamente a essa demanda, proporcionando experiências de aprendizagem significativas e contextualizadas. Nossos alunos vivenciam situações reais da hotelaria desde o início da formação, o que fortalece o engajamento pessoal e profissional e amplia o senso de responsabilidade e pertencimento. Por isso, afirmamos que estamos em sintonia com o perfil da nova geração, muito mais conectada com inovação, propósito e experiências transformadoras”, conta.
As turmas dos cursos de Hotelaria do Senac São Paulo são caracterizadas pela diversidade, com pessoas de diferentes gêneros, faixas etárias e trajetórias de vida, todas com um objetivo em comum: qualificar-se para atuar e crescer no mercado de trabalho. Predominantemente, trata-se de jovens adultos entre 18 e 30 anos, em fase de inserção ou transição no mercado de trabalho. “Essa pluralidade de perfis enriquece o ambiente de aprendizagem, tornando-o mais alinhado com a realidade do setor hoteleiro, que também é diverso, dinâmico e centrado em pessoas. Há alunos que já atuam na área e buscam aprimoramento, assim como aqueles que estão iniciando sua trajetória profissional ou em processo de transição de carreira. Essa pluralidade fortalece o aprendizado e prepara nossos alunos para os desafios reais do mercado, que, assim como eles, é plural e cheio de oportunidades”, enfatiza. “As novas gerações, especialmente Millennials e Geração Z, buscam flexibilidade, autonomia e propósito, algo que o modelo tradicional da hotelaria tem dificuldades em oferecer, gerando altíssima rotatividade e instabilidade”, comenta Zara Bulgari.
b2bhotel
A b2bhotel é uma empresa especializada na busca por serviços sob demanda para atender às necessidades de um hotel. A plataforma oferece a possibilidade da contratação de profissionais qualificados em poucos cliques, desde limpeza até recepção. Ela trabalha com alguns grandes diferenciais para os profissionais do setor, como: maior flexibilidade na escolha de datas e locais de trabalho, complemento de renda, possibilidade maior de ganhos mensais e uma grande plataforma de entrega de conteúdos relacionados diretamente ao trabalho no setor, de forma gratuita e facilitada, que é o Hub de conhecimento. “Para os hotéis, o grande diferencial da b2bhotel é a agilidade de entregar um profissional sob demanda, na maioria dos casos, conseguimos fechar uma vaga em pouquíssimos minutos, isso facilita o dia a dia das operações e dá mais tranquilidade às equipes dos empreendimentos hoteleiros”, nos conta Higino Mandaji, Diretor da empresa.
Higino Mandaji: “Para os hotéis, o grande diferencial da b2bhotel é a agilidade de entregar um profissional sob demanda, na maioria dos casos, conseguimos fechar uma vaga em pouquíssimos minutos” (Foto - Divulgação)
De acordo com ele, a b2bhotel facilita as operações dos hotéis com oferta de mão de obra sob demanda, pois a hotelaria historicamente é um segmento que tem grandes oscilações de ocupação, mesmo dentro de uma mesma semana, impossibilitando as operações hoteleiras de terem mão de obra para atender a 100% da demanda de pico, com isso, o uso de mão de obra pontual é essencial para suprir esta demanda e ao mesmo tempo, manter os custos fixos sob controle. “Também estamos lançando uma plataforma de empregabilidade para funções operacionais de hotelaria que já vai nascer com mais de 20.000 pessoas cadastradas. Acreditamos que, com a primeira plataforma de vagas CLT exclusiva para funções operacionais de hotelaria, conseguiremos entregar ainda mais facilidades nas contratações dos hotéis em todo o Brasil”, ele afirma.
Para Mandaji, historicamente, o setor hoteleiro tem ciclos de dificuldade de mão de obra, o que está ligado ao aquecimento econômico do País e níveis de empregabilidade, pois quando existem ofertas amplas de emprego no mercado, a hotelaria tem dificuldades nas contratações, a exemplo dos anos de 2013 e 2014, onde houve situações semelhantes. “Outro ponto muito importante de se considerar, é que essa falta de mão de obra operacional não é exclusividade do setor, é só observar o comércio, supermercados, entre outros, assim como também não é um fator que só acontece no Brasil, tenho acompanhado situações muito similares em Portugal, Espanha e até na Inglaterra”, diz. “Porém, olhando em particular para a hotelaria no Brasil, temos condições que precisam ser profundamente discutidas pelo setor, como escalas de trabalho, carga horária e principalmente salários oferecidos. Quando temos grande volume de oferta de empregos, estes fatores têm grande peso e a hotelaria tem saído perdendo em todos eles. A escolha do profissional em trabalhar de forma autônoma já é uma grande realidade e a hotelaria tem que ver isso como uma ferramenta aliada à sua operação, usar este fator como um diferencial para suprir esta demanda de mão de obra”, completa.
Tecnologia tira empregos?
Já ouvimos um discurso sobre a tecnologia tirar empregos de trabalhadores nas mais diversas áreas, mas ela deve ser encarada como aliada ou como algoz na escassez de mão de obra na hotelaria? Para o Consultor Mario Nogales, a tecnologia, por si só, é neutra. O que define se ela ajuda ou atrapalha é o uso que o gestor faz dela. “Em hotéis bem gerenciados, a tecnologia alivia tarefas repetitivas e libera o colaborador para aquilo que é humano por excelência: o atendimento, a escuta e o improviso inteligente. Em hotéis mal geridos, a tecnologia é usada como desculpa para demitir gente, cortar custos e despersonalizar o serviço. Recepcionista substituído por totem? Só em hotéis que já não tinham recepção decente. Camareira substituída por ‘robô aspirador’? Só em quem nunca entendeu que limpeza é sensibilidade, não automatismo. A tecnologia deve ser ferramenta, e não muleta. E muito menos desculpa para abandonar a formação humana”, conclui.
A tecnologia é um grande aliado do segmento hoteleiro para auxiliar no que diz respeito a racionalização e praticidade, na visão de Gunnar Georgi. “Já muito utilizada pelos grandes grupos hoteleiros, pode e deve ser um apoio para a hotelaria independente. Falamos de uma tecnologia que hoje é muito mais acessível em relação a investimento e interfaces e, que entendo, é a bola da vez quando falamos de experiência do hóspede”, analisa.
Para a Coordenadora de Turismo e Hospitalidade do Senac São Paulo, Daniela Mendes, “enfrentar a escassez de mão de obra exige uma atuação conjunta, em que unimos esforços na promoção de uma formação qualificada, na valorização das trajetórias profissionais e na modernização das práticas de gestão nos empreendimentos. Somente por meio dessa colaboração efetiva entre educação e mercado será possível construir caminhos sustentáveis para o desenvolvimento do setor”, afirma. “Talvez seja o momento de a hotelaria repensar os seus processos, a sua carga de trabalho e, na medida do possível, as suas remunerações financeiras e emocionais. Os novos hoteleiros valorizam a sua autonomia, ao contrário de processos engessados e pouco inovadores, valorizam novos desafios, a perspectiva de carreira e as novas oportunidades de crescimento profissional que tenham dentro da empresa, e querem perceber nela um ambiente saudável e um clima organizacional agradável e acolhedor”, conclui Alan Guizi.
Sinthoresp
O trabalhador da hotelaria no estado de São Paulo é, majoritariamente, composto por mulheres. Dados mais recentes de base do Sinthoresp - Sindicato dos Trabalhadores em Hotéis, Bares, Restaurantes e Similares de São Paulo e Região, indicam que aproximadamente 60% dos profissionais da hotelaria são do sexo feminino, com presença marcante em áreas como limpeza, arrumação, governança e lavanderia. Já os homens se concentram em funções como manutenção, recepção noturna, mensageiro e áreas técnicas. “Do ponto de vista da escolaridade, a maioria possui ensino médio completo ou incompleto. São raros os casos de trabalhadores com ensino superior, embora haja uma parcela significativa com cursos profissionalizantes ou experiências acumuladas no próprio setor”, conta Valdir Farias da Silva, Secretário-geral e executivo de Qualificação Profissional, Empregabilidade e Comunicação do Sinthoresp.
Valdir Farias da Silva: “Apesar de serem a base do funcionamento de um hotel ou resort, profissões como camareira, ajudante de cozinha, mensageiro, auxiliar de limpeza ou manutenção raramente são reconhecidas pelo público ou pelo mercado como profissões qualificadas” (Foto - Divulgação)
Em relação à origem geográfica, esses trabalhadores vêm de diversas regiões da cidade de São Paulo e da Região Metropolitana, principalmente de bairros e municípios com menor oferta de empregos formais. “Muitos enfrentam longos deslocamentos diários. Também é comum a presença de migrantes de outras regiões do Brasil, sobretudo do Norte e Nordeste, e em menor grau, de imigrantes internacionais que encontram na hotelaria uma das primeiras oportunidades de trabalho”, complementa.
Os pisos salariais da hotelaria no estado de São Paulo são definidos por meio de negociações coletivas, firmadas entre o Sinthoresp e os sindicatos patronais correspondentes aos 34 municípios que eles representam. Atualmente, as negociações são feitas com três entidades patronais distintas no setor da hotelaria e meios de hospedagem: o Sinhores Osasco (que representa cidades da grande São Paulo), a Fhoresp (representando algumas cidades do interior do Estado) e o Sindhotéis São Paulo, responsável pela capital e parte da Região Metropolitana. “Cada negociação estabelece um piso normativo único para os trabalhadores abrangidos, independentemente da função exercida. Ou seja, não há diferenciação de piso por cargo ou setor dentro da hotelaria nas convenções vigentes. Em 2025, nas bases em que negociamos com o Sinhores Osasco e com a Fhoresp, foi garantido o reajuste dos salários pelo INPC e o menor piso passou a ser de R$ 2.050,00. Já na base do Sindhotéis SP (capital), a negociação ainda está em andamento. Portanto, o novo valor do piso salarial ainda não foi definido”, informa Valdir.
Embora o piso normativo seja uma referência mínima, os salários no setor variam bastante. Atualmente, uma parcela significativa dos trabalhadores da hotelaria encontra-se nas faixas salariais mais baixas, até R$ 2.500,00, que concentram cerca de 40% da categoria e cerca de 10% recebem acima de R$ 7.000,00.
Atualmente, uma parcela significativa dos trabalhadores da hotelaria encontra-se nas faixas salariais mais baixas, até R$ 2.500,00 (Foto – Freepik.com)
De acordo com o Secretário-geral, os trabalhadores da hotelaria enfrentam uma série de entraves que afetam tanto sua permanência no setor quanto sua qualidade de vida. Um dos principais desafios é a jornada extensa e pouco previsível, marcada por escalas aos finais de semana, noites e feriados. Isso dificulta a conciliação com a vida familiar e social, o que impacta diretamente a saúde física e emocional desses profissionais. “Outro obstáculo recorrente é a baixa valorização social das funções operacionais. Apesar de serem a base do funcionamento de um hotel ou resort, profissões como camareira, ajudante de cozinha, mensageiro, auxiliar de limpeza ou manutenção raramente são reconhecidas pelo público ou pelo mercado como profissões qualificadas – o que contribui para altos índices de rotatividade. Também observamos que muitos trabalhadores ingressam no setor sem formação técnica, o que limita suas oportunidades de crescimento. Há ainda pouca oferta de treinamento prático por parte das empresas”, diz Valdir.
Além disso, os deslocamentos longos, comuns em grandes cidades como São Paulo, somam-se à carga de trabalho extenuante. Boa parte desses trabalhadores reside em bairros periféricos ou municípios da Região Metropolitana, enfrentando diariamente horas de transporte público. “Do ponto de vista das condições laborais, ainda há estabelecimentos que resistem ao cumprimento de normas básicas da convenção coletiva, como o pagamento correto de adicional noturno, concessão de folgas legais ou a garantia de estabilidade em casos previstos”, ele lembra.
O Sinthoresp acredita que reter talentos na hotelaria depende de um conjunto de ações coordenadas, envolvendo empresas, governos e entidades representativas dos trabalhadores.
Na visão do Sindicato, é necessário garantir ao trabalhador não apenas o direito à remuneração justa, mas também acesso à qualificação prática e contínua, ambiente de trabalho respeitoso, previsibilidade de jornada e perspectiva de crescimento. “Em nossa experiência com a Bolsa de Empregos, que atua diretamente na intermediação entre trabalhadores e empresas, percebemos que muitos profissionais deixam o setor por se sentirem estagnados, desvalorizados ou fisicamente sobrecarregados. As rotinas intensas, a carga emocional e a instabilidade de escalas acabam afastando talentos que poderiam construir uma trajetória sólida no segmento.
Já na Escola de Qualificação do sindicato, vemos diariamente que há interesse em permanecer no setor, desde que o profissional enxergue que pode se desenvolver, mudar de função, ser promovido, aprimorar suas habilidades. Isso exige investimento por parte dos empregadores e políticas públicas de incentivo à formação continuada. É fundamental que o setor como um todo reconheça o valor da permanência. A rotatividade custa caro, não só financeiramente, mas também na qualidade do serviço prestado”, conclui Valdir Farias.