O Projeto de Lei estadual em Minas Gerais de número 3.788/2025 preocupa o setor hoteleiro. Dispõe sobre o período de duração das diárias em serviços de hospedagem, incluindo plataformas digitais de intermediação. Esse projeto foi apresentado para discussões na Assembleia Legislativa de Minas Gerais pela Deputada Carol Caram do partido Avante. Ela é Vice-presidente da Comissão de Defesa do Consumidor e do Contribuinte. Segundo ela, a justificativa desse projeto de lei tem como objetivo regulamentar, no âmbito do Estado de Minas Gerais, a duração das diárias nos meios de hospedagem, buscando garantir maior transparência e equidade nas relações de consumo. O texto do projeto diz que: “Atualmente, muitos estabelecimentos de hospedagem adotam práticas em que o check-in é limitado ao período da tarde e o check-out é exigido na manhã seguinte, o que resulta em um período efetivo de utilização da diária inferior a vinte e quatro horas. Em muitos casos, o consumidor paga por um serviço de 24 horas, mas usufrui de menos de vinte horas, o que causa insatisfação e contraria os princípios da transparência (art. 6º, inciso III) e da boa-fé objetiva (art. 4º, inciso III), ambos previstos no Código de Defesa do Consumidor. Este projeto visa assegurar que o consumidor mineiro usufrua integralmente dos serviços contratados, conforme estabelecido no art. 31 do Código de Defesa do Consumidor, que exige a oferta de informações claras e adequadas. Além disso, o projeto busca coibir práticas que resultem em vantagem manifestamente excessiva, conforme prevê o art. 39, inciso V, do mesmo código. Ao fixar a duração da diária em 24 horas e permitir uma redução de até duas horas para fins de preparação da unidade, o projeto busca estabelecer um equilíbrio nas relações entre consumidores e prestadores de serviços. A medida também proíbe que o check-out seja exigido antes das 12h00, promovendo mais clareza e respeito ao direito do consumidor”.
Uma vez publicado, o projeto está nas Comissões de Justiça, de Desenvolvimento Econômico e de Defesa do Consumidor para parecer. Mas ficam os seguintes questionamentos. Se a diária terá que ser de 24h00, como os hotéis farão para realizar a limpeza, se ela acarreta pelo menos duas horas? Pela lógica, após a saída de um hóspede, o hotel terá que bloquear o apartamento e só poderá usá-la no dia seguinte e assim consequentemente. Isso faz sentido? Flávia Araújo Badaró, Presidente – ABIH / MG - Associação Brasileira da Indústria de Hotéis de Minas Gerais se declara indignada e manifesta sua total e veemente discordância em relação ao Projeto de Lei. “A medida é impraticável e traria consequências devastadoras para todo o turismo em Minas Gerais. A rotina de check-in e check-out, adotada em todo o mundo, é condição essencial para que hotéis, pousadas e meios de hospedagem funcionem com segurança, qualidade e organização. Alterá-la por força de lei significaria inviabilizar o setor. Com a redução drástica da produtividade, a consequência direta seria o fechamento em cadeia de hotéis e pousadas, especialmente os pequenos e médios empreendimentos. Mas os impactos não se limitam à hotelaria: bares, restaurantes, transportes, agências de viagem, organizadores de eventos, fornecedores de alimentos e bebidas, lavanderias e todo o ecossistema do turismo seriam igualmente atingidos”, declara Flávia.
Ela destaca que até mesmo as plataformas digitais de hospedagem, que não operam com diárias de 24 horas em nenhum lugar do mundo, seriam afetadas. “O resultado seria a destruição de um setor que Minas Gerais construiu com anos de trabalho, investimento e esforço coletivo, conquistando espaço e competitividade no mercado nacional e internacional do turismo. A aprovação dessa lei significaria um enorme retrocesso: empregos perdidos, negócios fechados e a perda da credibilidade que Minas alcançou a duras penas. Por tudo isso, a ABIH-MG reitera sua posição firme contra o Projeto de Lei 3788/2025 e faz um apelo à deputada autora: abra-se ao diálogo com o setor, para compreender de perto a realidade da hotelaria e do turismo mineiro, antes de impor uma medida que ameaça a sobrevivência de milhares de empreendimentos e trabalhadores em todo o estado”, concluiu Flávia. Flávia Badaró: “A aprovação dessa lei significaria um enorme retrocesso: empregos perdidos, negócios fechados e a perda da credibilidade que Minas alcançou a duras penas” (Foto - Divulgação)
Perdas estimadas para o setor
De acordo com estudos da AMIHLA - Associação Mineira de Hotéis de Lazer, a adoção da medida proposta resultaria em perdas estimadas de 40% a 45% das UH’s disponíveis na hotelaria mineira, comprometendo diretamente a sustentabilidade dos empreendimentos. “Além disso, a falta de previsibilidade operacional afetaria diretamente o turismo de eventos, hoje um dos principais motores de geração de receita para hotéis, bares, restaurantes, fornecedores e organizadores de eventos em Minas Gerais”, aponta Alexandre Santos, Presidente da AMIHLA. Segundo ele, o levantamento da entidade aponta uma série de efeitos colaterais: aumento das tarifas, dificuldade na gestão operacional, redução do número de quartos disponíveis, queda na taxa média de ocupação e prejuízo à higienização e manutenção adequada dos apartamentos. “Os reflexos não se limitam ao setor, mas vão atingir toda a cadeia produtiva do turismo em Minas Gerais. Infelizmente, esse cenário pode levar muitos pequenos e médios hotéis ao fechamento, pois eles sofrerão com a impossibilidade de previsibilidade operacional e a dificuldade de gestão das unidades, e não conseguirão se manter financeiramente. O resultado será desemprego em larga escala, afetando milhares de trabalhadores, e o reflexo de menos hotéis em funcionamento, além do desemprego, é a redução do número de turistas em Minas Gerais”, alerta Alexandre.
Alexandre Santos: “Se esse Projeto Lei for aprovado, toda a cadeia mineira de hotelaria precisará reformular totalmente seus sistemas operacionais, adaptando reservas, horários de limpeza, equipe e logística de atendimento” (Foto - Divulgação)
Ele ressalta ainda que o Projeto de Lei 3.788/2025 desconsidera a dinâmica do setor hoteleiro, que depende de padrões de operação e de eficiência já estabelecidos e regulados pela Lei Geral do Turismo (Lei 11.771/2008). Segundo o Presidente da AMIHLA, a aprovação do PL terá efeito oposto ao pretendido, encarecendo os serviços, reduzindo a oferta e fragilizando a competitividade de Minas em relação a outros estados. Outro ponto crítico é que, se a legislação for aprovada, toda a cadeia mineira de hotelaria precisará reformular totalmente seus sistemas operacionais, adaptando reservas, horários de limpeza, equipe e logística de atendimento. Além disso, seria necessário manter profissionais disponíveis 24 horas por dia, em um contexto em que serviços essenciais, como transporte público noturno, não funcionam continuamente, elevando significativamente os custos operacionais da hotelaria. Por essas razões, o projeto, de autoria de uma deputada mineira, vai na contramão das necessidades do setor e desconsidera a realidade econômica de Minas Gerais, colocando o estado em clara desvantagem competitiva frente a outros destinos nacionais. “O turismo mineiro é hoje um dos motores de desenvolvimento do estado. Essa proposta, além de inconstitucional, coloca em risco o calendário de eventos, como o Carnaval de Belo Horizonte, por exemplo, além de congressos, feiras e diversas atividades econômicas que dependem diretamente da hotelaria, pois o custo da hospedagem no estado ficará muito mais elevada, e a oferta por leitos certamente será muito reduzida. Com isso, o prejuízo será sentido por todo mercado, não apenas pelos empresários do setor”, concluiu Alexandre.
O tempo de preparo como garantia de qualidade
Em diversos setores, há tempos técnicos de preparo que o consumidor não vê, mas que são essenciais para a qualidade e a segurança do produto final. No setor aéreo, a aeronave não sai imediatamente após o pouso: há inspeção, reabastecimento e limpeza. Nos restaurantes, a cozinha abre antes do salão, porque há mise en place, higienização e preparo dos ingredientes. Em hospitais, os quartos precisam de um intervalo entre altas e novas internações para esterilização e troca de enxovais. “Na hotelaria não é diferente. Entre o check-out e o check-in, existe um esforço intenso e invisível: camareiras recolhem roupas de cama e banho, que seguem para lavanderias industriais; os quartos são higienizados, móveis revisados, frigobar reposto, banheiros sanitizados com produtos adequados. É esse intervalo que garante ao hóspede seguinte um ambiente limpo, seguro e confortável”, destaca Orlando de Souza, Presidente Executivo do FOHB – Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil.
Orlando de Souza: “Entre o check-out e o check-in, existe um esforço intenso e invisível na preparação do apartamento hoteleiro” (Foto - Divulgação)
A falácia das 24 horas corridas
De acordo com Leonardo Volpatti, do escritório Volpatti Advogados e Associados, fixar por lei que a diária deve ter exatamente 24 horas corridas é uma inoperância prática. “Se cada hóspede tivesse direito a permanecer exatamente 24 horas no quarto, não haveria tempo hábil para esse processo de limpeza e higienização. Então o resultado seria: Prejuízo ao consumidor, que encontraria quartos sem a devida assepsia ou sem a assepsia ideal para os padrões de segurança sanitária; Aumento do custo da hospedagem, já que os hotéis precisariam contratar mais pessoal, criar uma operação escalonada e ampliar sua estrutura apenas para manter o giro - Por exemplo, o hóspede entra 12 horas e sai às 12 horas do dia seguinte. Logo, o próximo hóspede entraria às 14h00 e sairia às 14h00 do dia seguinte e assim sucessivamente? Ou será que para vender uma diária, o hotel deveria perder a próxima diária para dar tempo de fazer a limpeza adequadamente e atender o critério de 24h00 ininterruptas? Como consequência prática, provavelmente os preços da diária dobrariam de valor”, questiona o Advogado Leonardo.
Ele ressalta que nos grandes destinos internacionais os horários de check-in e check-out não são fixados por lei, mas por padrões de mercado e regras contratuais claras. “Essa prática confere previsibilidade tanto ao consumidor quanto ao prestador de serviços. A uniformização se dá por meio de autorregulação do setor, guias de boas práticas e parâmetros internacionais de hospitalidade, e não pela criação de normas estaduais fragmentadas. A tentativa mineira, nesse sentido, caminha na contramão do que é feito no turismo global, onde a prioridade é oferecer transparência ao cliente sem engessar a operação dos hotéis”, assegura Leonardo.
A questão constitucional
Para ele, esse projeto lei além de ineficaz, a proposta é inconstitucional e explica porque: “A Constituição Federal (art. 22, I) atribui à União a competência privativa para legislar sobre direito civil (contratos, como o de hospedagem) e sobre turismo. Mais que isso, a Lei Geral do Turismo (Lei nº 11.771/2008, alterada pela Lei nº 14.978/2024) já estabeleceu a diária de 24 horas, delegando ao Ministério do Turismo a regulamentação do tempo destinado à limpeza. O Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.717.111/SP) validou a prática de reservar algumas horas para higienização, desde que previamente informada ao consumidor. O Supremo Tribunal Federal, em casos semelhantes (como as ADIs 6441, 7023 e 7208), já declarou inconstitucionais leis estaduais que criaram regras contratuais em setores de alcance nacional, reafirmando a competência exclusiva da União”, esclareceu Leonardo.
Leonardo Volpatti: “Exigir por lei que a diária hoteleira seja de 24 horas corridas não é apenas um equívoco jurídico: é uma ameaça à segurança sanitária, um risco de elevação de custos para o consumidor” (Foto - Divulgação)
E ele conclui dizendo: “Exigir por lei que a diária hoteleira seja de 24 horas corridas não é apenas um equívoco jurídico: é uma ameaça à segurança sanitária, um risco de elevação de custos para o consumidor e mais uma jabuticaba regulatória que distancia o Brasil das boas práticas internacionais. Se o país deseja competir globalmente em turismo e hospitalidade, o caminho é o oposto: segurança jurídica, regras federais unificadas e liberdade contratual clara e transparente. Criar normas estaduais conflitantes é apenas um desserviço à política nacional de turismo”.
Portaria federal para regulamentar o setor
No dia 16 de setembro, na cerimônia de abertura do CONOTEL – Congresso Nacional de Hotéis que aconteceu na 62ª edição da Equipotel, o Ministro do Turismo, Celso Sabino assinou portaria que assegura aos hotéis autonomia para definir seus horários de check-in e check-out, respeitando o limite de até três horas para a preparação dos quartos entre reservas. Ele esteve acompanhado por vários representantes de entidades da hotelaria que manifestaram total apoio a ABIH/MG. Com isso, esse Projeto Lei perde efetividade e necessidade, já que a lei nacional passa a se sobrepor a qualquer legislação estadual ou municipal. Mas esse projeto ainda tramita na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e pode ir à votação no plenário.
= O Ministro Celso Sabino ladeado por vários representantes da hotelaria apresentando a portaria para definir horários de check-in e check-out (Foto - Divulgação)